INFINITIVO PARTICULAR | VALU • STUPID WIFE

ACORDAR

A luz do sol filtrava-se pelas cortinas, espalhando um calor suave pelo quarto. Eu sempre preferi o calor. Era quando eu me sentia viva, alegre. O frio cortante da serra de Itaipava, onde gravávamos a terceira e última temporada de "Stupid Wife", mostrava-se impiedoso na maior parte da nossa estadia na cidade. E isso não era o melhor dos cenários para mim.

Enquanto me espreguiçava, um sorriso escapou dos meus lábios ao pensar em mais um dia de gravações, mesmo que esses momentos estivessem chegando ao fim. Tão mais rápido do que eu desejei, mas com a sensação de que eu estava entregando um bom trabalho.

Ao meu lado, Priscila Buiar, minha parceira de cena, já estava desperta, estudando o roteiro com uma dedicação que sempre me fascinou. Ela parecia completamente imune ao frio, vestida apenas com uma camiseta leve e uma calça de moletom, enquanto eu estava enrolada em várias camadas de cobertores.

Hoje teremos uma cena importante para Valentina e Luiza. Luiza... Eu já comecei a me despedir da minha personagem. Mas nada havia me preparado para dizer adeus à Bubu.

Era assim que eu chamava Priscila, e eu fiquei intimamente feliz quando descobri, por acaso, que ela não permitia que mais ninguém a chamasse dessa forma. Ficou entre mim e aqueles profundos olhos cinzas que pareciam desnudar a minha alma.

— Hoje é um grande dia, Reis, — Buiar comentou sem desviar o olhar das páginas à sua frente. — A cena entre Valentina e Luiza vai ser intensa. Você está pronta?

— Sempre, — respondi, tentando transmitir mais confiança do que realmente sentia naquele momento. Levantei-me e caminhei até a janela, abrindo as cortinas para deixar mais luz entrar. O sol iluminava meu rosto, e por um momento, fechei os olhos para absorver sua energia.

Ser atriz vem junto com um emaranhado de realidades alternativas. Emprestamos nossos corpos e nossas emoções para dar vida a outras pessoas, a outros mundos.

Às vezes, os sentimentos dos nossos personagens se confundem com os nossos próprios. Isso nunca foi tão verdadeiro quanto agora, enquanto travava uma briga interna contra os sentimentos que tinha por Buiar.

— Está tudo bem, Reis? — Bubu perguntou, agora me observando com uma expressão preocupada.

— Só pensando na cena, — menti, voltando-me para ela com um sorriso. — Valentina e Luiza estarão grávidas hoje, estou emocionada.

Buiar assentiu, voltando sua atenção para o roteiro.

— Nós vamos fazer com que seja perfeito, como sempre.

Perfeito.

Aquela palavra ecoou em minha mente enquanto a observava. Era difícil não se perder nas curvas de seu corpo ou na intensidade de seu olhar. Tinha algo em Priscila Buiar que sempre me cativou, algo mais profundo do que a mera admiração profissional. Era uma conexão que eu temia, mas que, secretamente, desejava.

Ao longo das gravações, eu tinha aprendido muito sobre ela. Sobre como ela gostava do seu café – forte e sem açúcar – ou sobre como ela franzia o cenho quando estava concentrada. Aprendi também a diferenciar quando chorava de verdade, bem diferente de como agia em cena. Pequenos detalhes que se acumulavam, formando uma imagem mais completa da mulher que ela era, além da atriz que todos viam.

— Vamos precisar de toda a equipe no set em uma hora, — a voz de Pugliese, uma das diretoras da websérie, soou abruptamente, interrompendo meus pensamentos. Ela parecia um pouco irritada, provavelmente problemas com a equipe técnica.

Buiar fechou o roteiro e se levantou, esticando os braços acima da cabeça.

— Melhor irmos nos preparar, — disse ela, lançando-me um último olhar antes de sair do quarto.

Eu a segui, tentando me manter focada no trabalho. Mas, à medida que o dia avançava, eu sabia que a linha entre Priscila Reis e Luiza Campos estava se tornando cada vez mais frágil. E, no fundo, eu temia o momento em que não saberia mais distinguir uma da outra.

— Atenção elenco, vamos gravar agora — Pugliese nos convidou para começarmos.

Um dos meus professores de atuação uma vez me disse que é natural que atores que interpretam casais na ficção acabem se apaixonando na vida real. No momento, pensei que fosse apenas uma curiosidade divertida, mas agora vejo como ele estava certo. Basta olhar ao redor e perceber quantos casais começaram suas histórias de amor nos bastidores.

Tom Holland e Zendaya. Murilo Benício e suas várias esposas. Ashton Kutcher e Mila Kunis. Ryan Gosling e Eva Mendes. Kristen Stewart e Robert Pattinson. Emma Stone e Andrew Garfield. Javier Bardem e Penélope Cruz. São tantos exemplos que seria fácil acreditar que o amor nos sets de filmagem é quase inevitável.

Eu estava apaixonada por Priscila Buiar.

Dizer isso em "voz alta" dentro da minha cabeça era libertador. A convivência com ela me fez enxergar muito além daquele corpo perfeito. Além daquele rosto delicado. Além daquela voz doce. Muito além daquele olhar que me afogava.

Ela nunca havia me olhado como Valentina olhava para Luiza. E, mesmo sem querer, me peguei desejando que isso acontecesse. Porque deveria ser assim, não deveria? Ela também deveria me amar.

Era justo.

— Reis, o que você acha da gente repassar o diálogo? — Era Buiar. Estava sentada no chão em frente ao sofá em que eu estava.

— Reis? — Ela chamou baixinho. — Está tudo bem?

— Oi, Bubu. Eu me distraí.

Ela abriu aquele sorriso lindo ao me ouvir chamá-la pelo apelido. Tudo o que eu queria era poder confessar que estava apaixonada. Que a queria só para mim. Que desejava deitar em seu peito após um dia exaustivo e reclamar baixinho sobre tudo que deu errado. Mas, acima de tudo, queria pedir emprestado o calor do seu corpo junto ao meu.

Como foi que eu pude deixar isso acontecer?

Eu pensei em errar todas as cenas em que tínhamos alguma intimidade, apenas para repeti-las inúmeras vezes até gravar na minha pele a textura daqueles toques. Mas eu jamais poderia fazer isso. Não com o meu trabalho. Não com ela.

Fui despertada dos meus pensamentos pelo toque da mão de Buiar na minha. Como ela conseguia manter as mãos quentes em meio a esse frio?

— Minhas mãos estão suadas... — Tentei disfarçar.

— Como sempre, — ela respondeu com um sorriso travesso.

— Como sempre, — suspirei, sustentando o olhar.

— A luz foi embora mais uma vez. Não vamos conseguir gravar agora. Natalie está puta da vida.

Com delicadeza, coloquei uma mecha de cabelo da Buiar atrás de sua orelha e olhei para ela com toda a sinceridade do meu coração.

— Um dia... vamos estar filmando em um lugar tão foda que, quando olharmos para trás, lembraremos exatamente deste momento. Aliás, nós do futuro estamos pensando nisso agora e criando uma conexão através do espaço-tempo até aqui.

Eu sorri, mas Buiar permaneceu séria.

— Você realmente acredita nisso, Reis?

— Eu tenho certeza disso.