Após aquela cena viva, a realidade dos meus sentimentos, agora expostos, começou a pesar mais do que nunca. As gravações continuaram, mas cada interação com Buiar era como andar em um campo minado, onde cada passo poderia levar a uma explosão que eu desesperadamente tentava evitar.
Nos dias seguintes, fiz um esforço consciente para reprimir qualquer emoção que pudesse transparecer enquanto estava perto dela. Mantive-me ocupada com o trabalho, me jogando nas cenas com uma intensidade que era tanto uma fuga quanto uma forma de manter minha mente longe dos problemas pessoais.
— Pugliese quer falar com você, — Natalie me informou numa tarde após as gravações. Com o coração pesado, segui até o escritório improvisado da diretora, temendo o assunto da conversa.
— Reis, — a diretora começou, olhando-me seriamente enquanto eu tomava assento à sua frente. — É impressão minha ou você e a Buiar têm se evitado?
— Não é impressão, — murmurei, olhando para minhas mãos entrelaçadas no colo. — Imagino que, assim como eu, ela não quer que isso afete o nosso trabalho.
— Não está afetando. A questão aqui não é essa — a diretora fez uma pausa para avaliar as minhas expressões. — Mas... Vocês eram inseparáveis. Tinham uma amizade que transcendia as personagens... Vocês se entendiam só de se olhar.
— Eu sinto falta disso... — Minha voz me traiu denunciando a imensa vontade que eu tinha de chorar.
— A Buiar te procurou?
— Sobre sexta-feira? Não, ela tem me evitado.
— Você gostaria que ela falasse com você? Posso intervir, se quiser.
— Não precisa se preocupar com isso. Você e a Natalie já fizeram muito por mim. Só o fato da equipe inteira não saber o que aconteceu já me ajuda a evitar mais drama.
— Conversamos com o Lucas e o Fabrício. Pedimos discrição e eles entendem a complexidade do processo criativo.
— Processo criativo... — repeti, refletindo sobre como o que vivi com a Buiar foi reduzido a uma questão de "processo criativo".
— Ela mencionou algo para vocês? — continuei.
— Não, ela é bastante reservada, como você bem sabe.
— Sim... Ela não fala muito — pausei, pensando nas palavras. — Sabe, eu preferiria que ela me desse um grito, virado um tapa. Que dissesse que aquilo não significou nada.
— Já considerou que talvez ela esteja tentando te preservar?
— Não cabe a ela decidir isso por mim. O silêncio... isso me destrói.
— Você é uma profissional excepcional, Reis, mas também é humana. Não se esqueça disso. Se achar que deve, converse com ela. Estamos todos aqui para apoiar você, aconteça o que acontecer.
Agradeci à Pugliese e saí do escritório sentindo um pouco menos de ansiedade. A conversa tinha sido mais sobre apoio do que advertências, mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
O restante da semana passou em um borrão. Mantive-me afastada de Buiar sempre que possível, interagindo com ela apenas quando o roteiro exigia. Fora das câmeras, nossas conversas eram cordiais, mas superficiais, um constante lembrete da barreira que eu havia erguido entre nós.
Em uma noite, enquanto me preparava para deixar o set, Buiar se aproximou de mim. Seu olhar era cauteloso, como se estivesse atravessando um terreno delicado.
— Reis, posso falar com você? — Sua voz estava baixa, carregada de hesitação.
Assenti, seguindo-a até um canto mais afastado do jardim. As luzes fracas e a atmosfera silenciosa criaram um ambiente que parecia um filme do Almodóvar.
— O que aconteceu? — perguntei, tentando esconder o nervosismo.
Ela desviou o olhar antes de responder.
— Só queria me certificar de que está tudo bem entre nós. Você tem estado um pouco distante ultimamente.
Respirei fundo, sentindo o peso de suas palavras.
— Estamos distantes — Corrigi. — Mas está tudo bem — menti, forçando um sorriso. — Apenas cansada com os nossos últimos dias aqui.
Buiar assentiu, no entanto sua expressão não mostrava que estava convencida.
— Se precisar de algo, fala comigo?
— Não sei se consigo.
— Tenta, por favor — ela disse antes de beijar a minha testa e se afastar, deixando-me sozinha com meus pensamentos.
Enquanto a observava, uma parte de mim desejava correr atrás dela, derrubá-la no chão e beijá-la como se minha vida dependesse disso. Mas a realidade das circunstâncias e o medo da rejeição me mantinham firmemente no lugar, comprimindo os sentimentos que ameaçavam transbordar.
O dia seguinte passou rapidamente. As gravações correram tranquilas, sem interrupções de cortadores de grama, cães latindo ou chuvas inesperadas. O som e a técnica estavam impecáveis, por isso conseguimos terminar a diária mais cedo do que o previsto.
Fui direto para um banho quente. Fora das cenas, Buiar evitava olhar para mim. Eu tinha a sensação de que estragara tudo e não sabia como consertar nosso relacionamento.
Eu já compreendia que meus sentimentos não eram correspondidos. A foto dela com o namorado recém-postada no Instagram era um lembrete doloroso de que eu não tinha chance alguma.
Sonhei em tê-la só para mim: imaginava ajudá-la a decorar o texto do próximo trabalho ou acordando cedo num domingo para praticarmos yoga, pegarmos uma praia, conversarmos sobre trivialidades e refletirmos nossas crises existenciais.
Gostaria de levá-la a Natal, para tomar uma cerveja e comer camarão, compartilhando sobre como meu pai faz falta. Sinto uma saudade imensa de uma lembrança que nunca aconteceu. Às vezes, me pergunto se estou enlouquecendo.
Se eu pudesse voltar no tempo, não teria deixado meus desejos interferirem. Será que estraguei nossa amizade? Será que nossa parceria acabou? Troquei a presença dela por uma esperança frágil e ilusória?
Quanto mais penso no assunto, mais me afundo nesse lugar solitário. Ela sequer falou comigo sobre como se sente. Eu merecia isso. Eu merecia pelo menos isso. Mesmo que Priscila Buiar jamais me olhasse com outros olhos.
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INFINITIVO PARTICULAR | VALU • STUPID WIFE
FanfictionEm "Infinitivo Particular", as vidas de Priscila Reis e Priscila Buiar se entrelaçam de maneiras inesperadas nas acolhedoras montanhas da serra de Itaipava, cenário da terceira temporada da aclamada websérie "Stupid Wife". Interpretando Valentina e...