CONFESSAR

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"Think I need a devil to help me get things right."

A chuva começou a cair no início da tarde, uma garoa persistente que trouxe consigo uma atmosfera melancólica. A equipe correu para proteger os equipamentos, cobrindo câmeras e microfones com lonas plásticas enquanto discutiam alternativas para as gravações externas arruinadas.

Eu me refugiei sob a marquise da casa que servia de cenário, observando as gotas formarem poças no jardim. A chuva tinha um jeito de trazer à tona pensamentos e sentimentos que eu preferia manter enterrados.

— Posso me sentar aqui? — A voz de Priscilla Pugliese, nossa diretora, interrompeu meus pensamentos. Sem esperar por uma resposta, ela se juntou a mim, puxando seu casaco mais para perto enquanto observava o céu nublado.

— Acha que vai parar? — perguntei, lançando um olhar esperançoso para as nuvens escuras.

— Com a sorte que temos? Provavelmente não até terminarmos tudo o que precisamos filmar, — ela respondeu com um meio sorriso. Depois de um momento, senti seu olhar mais atento. — Como você está se sentindo com o fim das gravações se aproximando?

A pergunta me pegou de surpresa e hesitei antes de responder.

— Feliz, eu acho. É sempre bom terminar um projeto. Mas também é... é agridoce.

Pugliese assentiu, compreendendo.

— Você tem se mantido um pouco distante ultimamente. Algo está incomodando você?

Respirei fundo, o ar frio enchendo meus pulmões. A chuva parecia ser a única coisa que compreendia meu estado de espírito.

— Eu estou... confusa, eu acho — minhas palavras saíram mais verdadeiras do que pretendia. — Com tudo isso aqui. Comigo mesma.

— Quer falar sobre isso? — Ela tinha um jeito de fazer com que parecesse fácil me abrir, a preocupação genuína em sua voz.

Eu olhei para as gotas de chuva correndo pelo chão, cada uma seguindo seu caminho antes de se unir a outras.

— É complicado. Eu... acho que estou lidando com alguns sentimentos que não esperava.

A diretora me observou silenciosamente, dando-me espaço para continuar.

— Eu acho que me apaixonei, — confessei finalmente, a admissão trazendo um peso e um alívio ao mesmo tempo. — Por alguém que não deveria. Por alguém que não pode retribuir.

Pugliese me deu um olhar compreensivo.

— Isso é mais comum do que você imagina, especialmente em nosso trabalho. A intensidade de um set, a proximidade... isso pode confundir os corações mais experientes.

— Eu não sei o que fazer sobre isso, — admiti, sentindo a angústia crescer com cada palavra. — Não sei como lidar com isso fora do set, na vida real.

— Às vezes, não precisamos fazer nada. Apenas sentir. E deixar que o tempo resolva, — ela sugeriu, colocando uma mão reconfortante sobre meu ombro. — E se precisar conversar, estou aqui.

Agradeci com um aceno de cabeça, sentindo uma mistura de paz e medo. A conversa havia tornado meus sentimentos mais reais, mais urgentes. Uma parte de mim sabia que a verdade era inevitável e teria que ser enfrentada, mais cedo ou mais tarde. Mesmo que apenas dentro de mim.

— Eu tenho medo de... terminar aqui. De me afastar das pessoas... Eu tenho medo do tamanho da minha saudade, — falei, a voz embargada.

Pugliese olhou para mim com empatia, compreendendo a magnitude do que eu estava dizendo.

— Foi intenso, né? Foi como uma família.

— Muito! — concordei, um sorriso triste se formando nos meus lábios. — O que eu vou fazer da minha vida sem os comentários do Thomás? Sem as brincadeiras na maquiagem, sem a Ingrid, sem o Marcelo...

— Sem a Buiar.

Eu fiz um longo silêncio. Enxuguei duas lágrimas teimosas que estavam insistindo em cair, oscilando a minha voz, apertando a minha traqueia, esmagando o meu peito.

— Eu estou perdidamente apaixonada por ela — saiu como uma oração, um sussurro que parecia se perder no vento de Itaipava.

Priscilla me olhou com carinho, pegou-me em seus abraços e me deixou regenerar as forças ali.

A chuva levava com ela o peso das minhas palavras, enquanto eu me sentia um pouco mais leve por ter compartilhado aquilo que estava tão profundamente guardado dentro de mim.

INFINITIVO PARTICULAR | VALU • STUPID WIFEOnde histórias criam vida. Descubra agora