Meus olhos não te veem, mas meu coração te sente.

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Escrito por; Piikeno-Girassol.

CARLOS NARRANDO

Eu ainda caminho todas as manhãs, assim como fazia há dez anos, antes de toda a minha vida mudar. Ainda faço o mesmo trajeto, mas hoje não com o mesmo êxito.

A bengala agora é extensão do meu ser; Gust, o cão-guia, me ajuda a entender. Jamais imaginaria que um cãozinho com olhos tão pequenos um dia seria meus olhos serenos por essa via que eu conhecia minuciosamente do início ao fim.

Foi em agosto que tudo decorreu. O homem da minha vida morreu, e na angústia de ver com meus próprios olhos e na negação de poder dizer que era mentira, que era uma confusão e que aquele não era ele, isso nunca aconteceu.

O destino se fez cruel, o homem da minha vida, perdido no céu. Angústia e negação marcaram aquele instante.

Naquela manhã, antes de tudo, eu estava indisposto e não fui junto com ele. Ainda penso naquele sorriso e no seu olhar me desejando um bom dia. Fiquei em casa, distante do seu rosto; sorriso e olhar, no dia em que ele partiu.

Nossa casa ficava no alto da serra e, no caminho, um grande redemoinho jogou terra na estrada e deixou a visão embaçada. Foi quando outro carro veio, invadindo a minha pista e chocando-se com o meu carro.

Ainda consigo escutar o som vivido do freio e da batida que quase tirou a minha vida toda vez que penso nisso.

Meu amado foi velado enquanto eu estava sedado, sem poder me despedir. Sem despedida, o amor foi levado. Talvez seja por isso que ainda venho aqui, me sento nesse mesmo chão onde um dia ele caiu, após um motorista imbecil beber, dirigir e atropelar um pedestre.

Fernando me deixou; eu ainda sinto a dor de saber que o meu amor não me teve por perto naquele momento.

Meus olhos, que ainda marejam, nunca mais viram a cor do dia. Meu amado não volta mais e eu sigo assim.

Em agosto faz mais um ano, e o mês que não estava nos meus planos tem agora uma data no meu calendário.

Foi difícil seguir adiante, mas a vida só vai avante e eu tento superar.

Nessas novas caminhadas no alto da estrada, foi quando eu conheci Miguel. Parecia um anjo enviado do céu para acalmar meu coração. O romance teve início depois de um tempo, como se fosse trazido pelo vento, e nos apaixonamos.

Nossa conexão foi instantânea, e descobrir inesperadamente que em seu peito bate o coração do meu amado. Eu soube naquele instante que, através de um transplante, meu amor não me deixou; uma morte cerebral tornou aquele momento menos fatal.

A vida, com suas reviravoltas inesperadas, trouxe Miguel, com seu coração carregando um pedaço do que eu havia perdido. Aos poucos, fomos construindo uma nova história juntos. Miguel trouxe consigo um vigor renovado e uma paixão pela vida que me inspirou a redescobrir a alegria nos pequenos momentos.

O processo de aceitação e de reconstrução não foi fácil. Miguel estava sempre ao meu lado, oferecendo compreensão e apoio.

Com ele, eu aprendi que o amor não se apaga, mas se transforma. O coração que um dia foi de Fernando continuava a pulsar, agora trazendo vida a uma nova era de esperanças e sonhos em outra pessoa.

Celebramos o amor que encontramos um no outro, sabendo que Fernando sempre faria parte de nossa história. Sua memória e o legado de seu coração nos uniram de uma forma que nunca imaginei ser possível.

A vida seguiu seu curso, e a dor que um dia parecia interminável agora coexistia com a alegria que Miguel trouxe para minha vida.

No entanto, minha cegueira permanece, um constante de um passado que não posso ver, mas que sinto em cada passo.

A escuridão que envolve meu mundo nunca se dissipou completamente, mas Miguel, com sua luz interior, faz com que cada dia seja mais claro.

Ele me guia através dos caminhos que, antes, eram apenas espinhos. Sua presença ilumina a escuridão, e juntos, enfrentamos o desconhecido.

A cegueira não me impediu de encontrar a beleza na vida, pois com Miguel ao meu lado me amando mesmo nesse estado, aprendi que mesmo na escuridão, o amor pode ser a luz que guia o nosso caminho.

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