Esse conto foi escrito por um escritor que não faz parte do projeto, DumbledorePR.
Chuviscou enquanto eu ia à escola. O guarda-chuva que minha mãe encaixou na cadeira de rodas é enorme, o que não impediu minhas canelas e sapatos de ficarem molhados.
É uma cadeira esportiva. Meus pais queriam uma motorizada, mas pedi por esta. Uma autônoma me deixaria com cara de Stephen Hawking (dependente de um joystick). Queria me exercitar enquanto ando, já que tive o acaso de perder os movimentos das pernas há 4 anos. Acho que queria ter algo atraente em mim — já é notório o quanto construí os músculos superiores nas atividades.
Chego à rampa da escola e fico parado (estacionado, sei lá), relembrando algo.
A rampa foi feita logo depois do meu incidente e, para inaugurá-la, pediram-me que subisse. Não foi decisão minha, mas concordei. Então, girei as rodas para subir, só que era muito íngreme e num próximo giro de rodas, a cadeira se inclinou e só o que vi foram minhas pernas subindo (imagine um fantoche escorregando), enquanto meu corpo tombava. Na boa, acho que nunca ri tanto na vida. Só que mais ninguém achou graça.
Bom... Teve um alguém, um alguém que também foi o primeiro a correr para me ajudar, mesmo gargalhando.
Fiquei absorto por um tempo, mas voltei ao presente ao sentir alguém segurar as manoplas e me empurrar.
— Sei que você pode subir, Edu. Ficou parado porquê, seu preguiçoso? — disse ao meu ouvido, fazendo todo meu corpo (ou quase isso) arrepiar. Alberto.
— Foi mal, Beto — respondo sem jeito. — Estava lembrando da queda, sabe, antes de consertarem a rampa.
— Esse dia foi hilário, minha barriga doeu de tanto rir.
Pois é, ele era O alguém. Eu devo ter algum problema por ter me apaixonado por ele naquele dia.
— Hum, queria falar contigo no final das aulas, pode ser? — sorriu.
— Tá. — (“o que será que ele quer?”)
Bom, depois penso nisso. Agora, é hora de aproveitar o caminho juntos até a sala.
— E aí, como foi a “caminhada” até a escola? — Beto ironiza.
— Boa. Até cansei as pernas — brinco. — Vou ficar um pouco sentado, mas só um pouquinho.
— Finalmente! — Interrompe o Professor — E que sujeira seria essa? — franziu a testa enquanto olhava para os sapatos de Beto. — Você não deve entrar na sala desse jeito.
— Desculpa, Prôfe, choveu muito.
— Sem desculpas. Vá e lave seus calçados.
Alberto sai meio acanhado. Observo ele indo ao banheiro (“aquela bundinha linda!”).
— Ah, senhor Eduardo — ele olha para baixo e vê o estado deplorável que estou. — Por favor, vá para seu canto — é isso... Sem nenhum "lave seus calçados" autoritário.
— Sim, careca — Ele inspira rápido, mas fica por isso mesmo.
O terceiro ano é um tédio. A única coisa boa é Beto sentado ao meu lado e seus sorrisos quando acerta alguma pergunta. Isso quando deixam ele falar...
Tem uma menina intrometida na sala que se acha merecedora de aplausos até quando responde que 1+1 é 2 (“Na boa, por que não sou surdo também?”). É o que acabou de acontecer, por isso bufo. Deve ter sido alto, pois a voz irritante cacareja.
— Professorzinho, acho que Eduardo está querendo levantar o braço para responder — sua voz penosa, quase me provocando.
— Se não levantei o braço é porque não quero responder. O que não mexo são as pernas, boçal — tento parecer indiferente, mas sorrio de lado ao ver Beto rindo.
— Tudo bem, quando Eduardo quiser participar, ele fará — diz o professor. — No tempo dele.
— Que bom que sua língua não tá paralítica — sussurra Beto ao se aproximar sorrateiramente, depois se endireita na carteira, enquanto sufoco uma risada.
O tempo na escola passa — mesma rotina. Hoje houve aula de Educação Física e os garotos queriam jogar vôlei, mas o treinador cancelou em "consideração" ao meu estado. Não era a primeira vez que fazia isso, por isso evito essa aula. Foi desnecessário.
— Por quê? Eles estão com medo perder pro melhor ponteiro da escola? — tentei descontrair.
Esperava risadas, mas só três pessoas reagiram: Beto, um mudo e um autista. Até gostei, é gente que não liga muito para o politicamente correto.
Já estávamos de volta a sala de aula quando o sinal toca para o fim do dia. A sala esvazia rapidamente. Olho para Beto, mas ele já está olhando para mim, parado em sua carteira.
— Então, né... — um sorriso tímido e bochechas vermelhas.
— Pois é, você queria falar comigo. Sou todo ouvidos — indago. Ele parece inquieto, esfregando as mãos sem parar. — Tá tudo bem? — ele engole a seco.
— Mais ou menos... Não sei como te dizer isso.
Olho para Beto. Leva alguns segundos para que possa continuar.
— Eu gosto de você. — (“Quê?!”)
— Eu também... Somos bons amigos. — (“Boa, ele deve tá falando disso!”).
— Tô falando gostar, "gostar", do tipo querer sair juntos e... — (“Okay, ele tá louco!”) — Tá ligado?
— Sim, melhores amigos fazem isso.
— Falo, tipo, dormir junto, sabe? — (“Eu até imagino o que ele quer dizer com ‘dormir’, mas...”).
— Sei, como irmãos né...
— Que droga, Eduardo! Quero beijar sua boca, seu idiota.
Não reajo. Isso é real? Será que estou ouvindo coisas? Não pode ser!
— Isso é sério, né?! Não tá falando isso como pegadinha ou porque perdeu uma aposta, né? — estou praticamente dizendo “sim” ao falar isso.
— Claro que não, não faria isso contigo — ele sai da carteira e fico atônito quando se senta em meu colo.
— Gosto de você, de verdade! É que estava com medo de ser rejeitado.
— Por que eu faria isso? — minha voz sai mais alta que o normal.
— Você é confiante e independente. Não achei que fosse do tipo que liga para romance, sabe? — ele está nervoso. — Ainda sinto que não gosta e só quer aceitar por sermos amigos.
— Não, eu gosto! Quero dizer... Também gosto de você! — Beto arqueia as sobrancelhas, seus olhos brilham. — Gosto desde o dia que você riu quando caí da rampa.
Ele gargalha, segura meu rosto e aproxima-se lentamente. Nesta hora, crio coragem para puxá-lo. Sinto sua respiração quente, meus lábios tocam os dele e não os movemos. O calor do momento é crescente. Seu gosto sutil e adocicado me penetra.
A gente se afasta, como um choque. Mas, continuamos nos olhando... Então, puxo-o novamente. Desta vez o beijo é intenso, cada fibra em mim quis este momento.
— Desculpa não ter dito antes — ele está ofegante. Sua testa está colada à minha e seus olhos fechados.
— Eu que peço desculpas por não ter tido iniciativa antes. Era algo que eu devia ter feito — institivamente meus lábios buscam os dele.
— Por que diz isso? — Ele afasta o rosto e me encara.
— Sei lá, meio que você sempre foi esse alguém ao meu lado e que nunca me limitou a um cadeirante. Ri das minhas piadas e do jeito bruto que me trato por ser assim.
— Você é especial para mim — declara.
— Também sou especial para AACD — ele ri.
Nossas bocas se aproximam. E então...
...Outro beijo...Recado:
Olá, eu sou o Pierre 😅. Minha primeira vez participando de um evento assim. Tô muito animado... Fui obrigado a usar essas palavras pela lgbt (nada contra, tenho até amigos que são) Reidoci. 😘
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