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Tinha tudo para ser mais um dia normal na cidade Luz.  O dia amanheceu cinzento como vinha acontecendo desde há muito tempo.

Saí à rua e as pessoas paravam quando se cruzavam, para cochichar.  Entrei na pastelaria para tomar café.  O ambiente estava diferente.

Fiz o meu pedido e sentei-me numa mesa no local mais recatado do estabelecimento.

Quando a atendente chegou, não resistiu a perguntar:

- O que se passa que todo o mundo está esquisito?

- Não sabe?  Não ouviu as notícias?

- Saí agora de casa.  Nem liguei o meu telemóvel.

- Parece que o filho do milionário Meneses de Albuquerque se tentou suicidar.  Foi encontrado desfalecido.  Uns dizem que tomou comprimidos,  outros que se esfaqueou.  As notícias ainda são vagas.

- Obrigada pela explicação.  - disse eu tentando terminar a conversa, vendo que a moça era daquelas com corda.   Falava pelos cotovelos.

Entrei nas minhas redes sociais e era só do que se falava.

- Desgosto de amor. - dizia um

- Estão falidos e não aguentou ter que trabalhar. - escrevia outro.

- Menino mimado, habituado a vida fácil. - retorquia um mal amado.

Era um xorillho de impropérios e um diz que me disse que me deu vontade de comentar e mandar todos tomar no uc.

Fiz uma ligação para a minha amiga de infância,  Bianca.

- Oi amiga!  Ouviste as notícias,  senão não me ligavas!

- Até parece.  O que aconteceu?

- Não sei.  Só sei o que saiu na imprensa e na televisão,  o que não é muito.  As notícias são vagas,  mas alguma coisa foi.
E tu como estás?

- Estava bem, mas agora fiquei de rastos.  Apetece-me ir a correr para aí.

- Não venhas enquanto não soubermos mais nada.  De que adianta, afinal é tudo culpa dele.

- Não é só.  Eu também tive culpa desde o início.  Fui muito permissiva e não soube impor limites.

- Mas agora está feito.  Logo que eu saiba mais alguma coisa ligo-te.   Adeus carcaça velha.

- Adeus cachaceira.  Te amo.

- E eu a ti. Fica bem e não sofras antecipadamente.

- Vou tentar.  Manda noticias.

Terminei o meu café e saí em direcção ao meu estúdio.  Neste momento eu só conseguia encontrar paz de espírito embrenhada em telas, tintas e pincéis.
Coloquei o avental, olhei para o quadro inacabado, deixei de lado e peguei uma tela nova.

Às primeiras pinceladas tive um ataque de raiva e borrei a tela toda de negro.  As lágrimas corriam soltas pelos meus olhos e eu não fiz questão de as parar.

Chorei um bom par de horas sentada no cadeirão.  Por fim levantei-me, passei uma àgua no rosto e voltei a pegar nos pincéis.   Olhei para a tela toda negra e resolvi pintar o seu rosto.
Conheço de cor cada traço do seu rosto.  Vai ser muito fácil.

Teu nomeOnde histórias criam vida. Descubra agora