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AMIRA

Quase não precisei ver o palácio para saber onde estávamos quando chegamos. Kyllen descreveu sua casa tão perfeitamente em suas histórias para mim, que eu podia visualizá-la bem em minha mente.

Uma gigantesca árvore real do pântano abrigava a parte central do palácio, com cômodos espaçados uniformemente entre os galhos largos. Ela era cercada por sete árvores mais jovens. Todas eram interconectadas por pontes suspensas em todos os níveis.

Raízes grossas cresceram profundamente no solo, elevando os troncos das árvores para fora da água da Baía de Layahi. No alto do meio da árvore central estaria o grande pátio do palácio onde todas as principais reuniões aconteciam.

Fiquei pensando se era para lá que nos levaram quando chegamos. O barulho de uma grande multidão desceu sobre mim como um cobertor sufocante no momento em que saímos da prancha de remo. Ficou ainda mais alto conforme subíamos algumas escadas e subíamos caminhos inclinados. Com medo de tropeçar no caminho, continuei agarrado ao braço de Kyllen.

“Ahhh,” ele exalou ao meu lado. “É exatamente como eu me lembro.” Eu não tinha certeza se ele estava se referindo ao lugar ou à multidão nos cercando. Provavelmente ambos. “Não mudou muita coisa. Quanto tempo faz? Quatrocentos? Quinhentos anos?”

Esse foi o “quando” em que pousamos. Esses muitos séculos significariam algumas mudanças drásticas na Terra. Mas em Nerifir, Kyllen havia dito antes, a vida fluía lentamente, com poucas mudanças visíveis de geração para geração.

Suas palavras se afogaram no oceano de vozes — o oceano que parecia prestes a me consumir.

Quantas pessoas estavam ao nosso redor? Centenas? Milhares?

Eles nos cercaram. Eu podia sentir seus olhares com minha pele que se arrepiava de desconforto. De vez em quando, uma frase saltava para mim da cacofonia de ruídos, chicoteando como um tapa.

“Humano? Que curioso…”

“O que o senhor vai fazer com ela?”

“Foda-se ela. Ou troque-a. Humanos são raros. Ela renderia um bom preço.”

“Ela é um troféu ou uma prisioneira?”

“Se ela era uma prisioneira, por que ele simplesmente não a executou?”

“Isso teria sido uma misericórdia. Ela não vai durar muito, de qualquer forma…”

Os comentários deles não me assustaram. Eu confiava que Kyllen não me machucaria, não de propósito, pelo menos. A multidão invisível, conversando preguiçosamente sobre minha execução, parecia muito mais ameaçadora. Eu agarrei a manga de Kyllen com mais força, pressionando meu lado contra ele.

Mais vozes soaram ao meu redor. Agora elas estavam falando sobre ele.

“Você acha que o senhor vai recuperar sua posição?”

“Bem, ele é o filho mais velho. É seu direito de nascença.”

“Mas Udren tem sido nosso Alto Senhor por séculos. Ele não cometeu nenhum crime ao tomar o lugar do pai.”

“O jantar está servido!”, alguém anunciou em meio ao barulho da multidão.

“Com fome?” Kyllen sussurrou em meu ouvido.

“Não,” respondi rapidamente. Eu tinha perdido qualquer apetite que eu tinha.

Sentado à mesa com todas essas pessoas, sentindo como se seus olhares estivessem queimando através da minha venda... Eu não conseguia, não quando estava exausto pela falta de sono e pela longa caminhada pelos pântanos de Lorsan. Eu me sentia muito sobrecarregado pelo novo mundo que havia caído sobre mim tão repentinamente e tão... intenso.

Toque da Serpente: Parte 1Onde histórias criam vida. Descubra agora