1. São Paulo

250 23 65
                                    

"Fugindo de mim mesmo e de todo o meu passado

Me pagando eu finjo

Mato amores em vão

Cama de qualquer pessoa pra me preencher

São Paulo é uma droga, vai usar você..."

São Paulo, 2015 — Jão

P.o.v. João

Uma ligação.

Foi só isso.

E foi o suficiente para fazer todo o meu mundo desabar.

Acho que você não se toca da importância das pessoas até descobrir que as perdeu.

Mal fiz minhas malas e peguei o primeiro avião com destino ao Brasil.

Me joguei na cama do hotel, respirei fundo e ao longe olhei a janela.

São Paulo...

Era ainda maior do que eu imaginava, fiquei pensando porque nunca tinha vindo aqui antes.

Em uma situação menos mórbida, talvez.

Fui até minha bolsa que tinha acabado de trazer da padaria e peguei meu maço de cigarros.

Jão: — João Vitor, João Vitor, você tinha prometido parar de fumar. — Falei comigo mesmo, procurando o isqueiro na bolsa. — Só dessa vez. — E acendi.

Eu sabia que me encher de fumaça tóxica não ia resolver os meus problemas, mas fingia não saber.

Fiquei todo um tempo olhando a paisagem, sem acreditar que realmente estava aqui.

Jão: — É, eu fiz isso mesmo. — Falei comigo mesmo, outra vez. — Eu devia ligar pra alguém, avisar onde estou né?

Essa mania de falar sozinho me acompanhava desde a infância, não que eu me orgulhe disso.

Peguei meu celular e analisei a lista de contatos, a maior parte eram pessoas que eu não queria falar.

Jão: — Isso, Bruno!

Disquei.

Jão: — Oi, Bruno...

Bruno: — Jão? Não acredito! Onde você se meteu?

Jão: — Pois é, quem é vivo sempre aparece, né...

Bruno: — Como você tá? Tudo bem por aí? Como você viaja do absoluto nada sem avisar ninguém?

Jão: — Tô, sim, é só que, eu, bem... e desculpa a falta de aviso, e... Eu tô em São Paulo!

Bruno: — São Paulo? Ta brincando?

Jão: — Pior que não!

Bruno: — Como assim? — Riu — O que você foi fazer aí?

Jão: — Bem, recentemente eu... eu recebi uma ligação esses dias e... — Hesitei, era uma sensação estranha. — Meus pais... meus pais sofreram um acidente, Bruno.

Bruno: — Meu deus Jão! É... meus... meus pêsames.

Jão: — Tudo bem, só é um pouco estranho, sabe.

Bruno: — Tem quanto tempo?

Jão: — Que eu estou em São Paulo? Acabei de chegar. O acidente foi há duas semanas, soube por uma ligação, mas bem, não tive... tempo de chegar para o velório.

Bruno: — Poxa, mas afinal o que você foi fazer aí?

Jão: — Ainda não tenho certeza, mas eu tava pensando em procurar pela minha irmã!

Bruno: — Irmã?

Giovanna não era minha irmã de sangue, era minha prima, mas ela foi criada pelos meus pais, então nós dois sempre nos chamamos de irmãos, eu torcia pra que isso não tivesse mudado.

Jão: — Sim, é, eu já falei dela algumas vezes, depois que me mudei pra aí, eu nunca mais a vi. Sei la. Me deu vontade de tentar falar com ela, meio que, é a única família que me restou.

Bruno: — Bem... — Ele parecia não saber o que dizer, eu também não saberia. — Boa sorte aí, vê se não some de novo, qualquer coisa pode me ligar tá bom?

Jão: — Obrigado, Bruno. — Agradeci antes de desligar.

Olhei pela janela, São Paulo tinha mesmo a vibe triste que parecia ter, mas tinha uma certa beleza em todo aquele cinza.

Talvez eu só pensasse isso porque combinava com meu estado de espírito.

Olhei em volta, eu tinha levado apenas uma mala, além da case do meu violão, que apesar de carregar comigo pra todos os lados, eu quase nunca tocava.

Em menos de quarenta e duas horas, eu estava em outro continente, sem qualquer expectativa de pisar aqui de novo.

Apesar de ter crescido no interior e nunca ter vindo pra capital de São Paulo nem mesmo nos aeroportos, eu evitava esse lugar como o diabo fugindo da cruz.

E essa metáfora combina bem com meu estado de espírito quando eu decidi me mudar.

Eu soube da notícia por meio de uma ligação de uma tia minha que eu não falava há anos. "Achei que, sei lá, você gostaria de saber" ela disse.

Eu senti um baque enorme naquele momento, foi quando me toquei do tempo que eu perdi.

Ela também me sugeriu procurar pela Giovanna, e me passou o telefone e o endereço dela.

Eu tentei ligar algumas vezes, mas não consegui falar.

Parecia ridículo reaparecer depois de mais de dez anos, mas eu precisava tentar, mesmo que fosse pra ouvir ela dizer que me queria longe, eu aceitaria.

Jão: — Amanhã! — Defini por fim. — Amanhã eu vou procurar por ela.

Decidi me deitar e tentar dormir.

Mas, mesmo estando naquela suíte chique de hotel, eu passei a noite em claro.

Dádiva - PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora