4. Ela é o Centro de Tudo

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Tô aqui, no meio de um teatro lotado, e não consigo parar de me sentir como um peixe fora d'água. Ou, pior, como se eu fosse um peixe arremessado em terra firme, me debatendo desesperadamente. Minha mãe, Silvana, decidiu que hoje era um ótimo dia para arrastar a nós todos para assistir a uma peça de balé — "O Lago dos Cisnes", para ser mais exato. Ela tá empolgada, meu padrasto Luciano tá tranquilo — como sempre, e Nanda, a filha dele, parece estar se divertindo. Para eles, estar cercados de gente rica e esnobe é a coisa mais natural do mundo.

Mas, para mim, não é.

Desde que entrei nesse teatro, não consigo ignorar o quanto tô deslocado. Esse lugar tá amarrotado de gente vestindo roupas que provavelmente custam mais do que eu faria em um ano, se eu tivesse um emprego decente. Mulheres com colares de pérolas, homens com ternos sob medida, todos parecendo que acabaram de sair de uma revista de moda. E eu? Aqui tô eu, com minha camiseta grande e surrada e meus tênis velhos, destoando completamente do cenário.

Enquanto caminhamos pelo saguão, sinto os olhares curiosos e julgadores me acompanhando. Sei exatamente o que estão pensando: "O que a ralé tá fazendo aqui?" Não que eu me importe, claro. Ou pelo menos, é o que eu tento me convencer.

Solto um suspiro e sigo em direção às nossas poltronas, com os ombros tensos. Minha mãe tá radiante, como no ano passado, comentando sobre como a apresentação vai ser incrível. Luciano sorri para ela, e Nanda, completamente distraída, brinca com a barra do vestido. Eles estão bem à vontade. Só eu que não.

Quando finalmente nos sentamos, percebo que tô suando frio. Esse teatro é um luxo só — lustres gigantes, paredes com detalhes dourados, cadeiras que mais parecem saídas de um palácio. Olho ao redor e vejo rostos que só conheço das revistas, pessoas que vivem em um mundo completamente diferente do meu. É como se eu estivesse invadindo um território que não me pertence.

"Tá tudo bem, filho?" minha mãe pergunta, notando o meu desconforto.

"Tá sim, mãe," respondo, forçando um sorriso. "Só... não sou muito fã dessas coisas. A senhora sabe."

Ela sorri, mas vejo o desapontamento em seus olhos. Sempre quis que eu me interessasse mais por essas "coisas", como ela chama. Coisas que, pra mim, sempre foram distantes e entediantes demais.

As luzes se apagam, e a cortina se abre. Tento me concentrar na peça, mas é difícil. Me sinto sufocado pela presença dessas pessoas, pelo cheiro de perfume caro, pela sensação de que não pertenço a esse mundo, por mais que minha mãe quisesse que eu fizesse parte dele.

Olho para a frente, tentando focar na dança, mas meus pensamentos continuam me levando para longe daqui.

Três vezes um é três.

Três vezes dois é seis.

Três vezes três é nove.

Fala sério. Qualquer lugar seria melhor do que aqui, onde preciso fingir que estou à vontade. Qualquer lugar onde eu possa ser eu mesmo, sem precisar disfarçar.

E então, eu a vejo.

No palco, vestida de branco e se movendo com uma leveza que parece desafiar a gravidade, está Maria Clara. A mesma Maria Clara que apareceu na minha pizzaria semanas atrás, tratando as pizzas como se fossem lixo. A garota que eu sabia ser uma promessa do balé, mas que nunca imaginei ver dançando — não ao vivo, pelo menos.

Meu estômago dá um nó.

Eu deveria odiá-la, ou pelo menos ignorá-la. Mas é impossível. Ela parece outra pessoa no palco. Ela é, de fato, a princesa Odette, e por um momento, quase esqueço onde eu tô. Quase esqueço que odeio balé, que odeio lugares cheios de esnobes, e quase esqueço que odeio Maria Clara.

SK8ER BOI  |  Augusto AkioOnde histórias criam vida. Descubra agora