Capítulo 3

24 12 0
                                    

Rubi Almeida

O ambiente ao meu redor parecia pulsar com uma energia sombria e envolvente, enquanto minha mente ainda tentava processar os eventos da noite anterior. Luciano me deixou em um estado de confusão e medo, mas também despertou algo em mim que eu ainda não conseguia entender. Agora, naquele lugar onde o tempo parecia se misturar com a escuridão e os sons abafados das ruas cariocas, eu estava prestes a encontrar uma figura que só aumentaria o peso das correntes que começavam a me prender ali.

Morgana apareceu diante de mim como uma sombra imponente, envolta em um vestido de veludo preto que parecia absorver a pouca luz ao nosso redor. Seus olhos, de um azul intenso, analisavam cada detalhe de minha expressão, como se soubesse mais sobre mim do que eu mesma. Havia algo de cruel em seu sorriso, um sorriso que não alcançava seus olhos, mas que revelava seu controle absoluto sobre aquele lugar.

— Então, você é a pequena aventureira que se enfiou onde não devia — sua voz era sedutora e ameaçadora ao mesmo tempo, cada palavra carregada de uma autoridade que fazia minha espinha gelar. — Luciano me contou sobre sua... traição. 

Meu coração disparou, a menção de Luciano trazendo à tona lembranças que eu não estava pronta para enfrentar. Tentei esconder meu medo, mas sabia que Morgana podia ver através de mim.

— Eu... não era minha intenção... — comecei, mas minha voz falhou. Como poderia explicar o inexplicável? Como poderia contar que não era apenas o medo que me fazia estremecer, mas algo mais profundo, um desejo que Luciano havia despertado, mas que eu temia.

Morgana riu suavemente, um som que reverberou pelo espaço ao nosso redor. — Não importa, querida. O que importa é que agora você está aqui... e terá que pagar pelo que fez.

Antes que eu pudesse responder, Morgana se aproximou, seus dedos frios tocando meu rosto com uma gentileza perturbadora. — Você ficará aqui, Rubi. Vai aprender o que é obedecer, o que é pertencer a este lugar. E, quem sabe, talvez encontre um propósito que você nunca imaginou.

Senti um calafrio ao ouvir as palavras de Morgana, e antes que pudesse reagir, ela se afastou, seus passos ecoando enquanto desaparecia pelas sombras. Não precisei de correntes para me sentir presa; a prisão estava na minha mente, enraizada no medo e na culpa que agora me consumiam.

Vaguei pelo lugar, tentando encontrar lógica em tudo aquilo, quando me deparei com Emanuel. Ele estava sentado em um canto pouco iluminado, os ombros curvados como se carregasse um peso invisível. Seus olhos, expressivos e profundos, pareciam esconder mais do que mostravam, e a tatuagem antiga em seu braço me chamou a atenção. Parecia uma lembrança de um tempo menos complicado, talvez de uma vida que ele ainda tenta se agarrar.

— Você parece perdida — disse ele, a voz baixa, mas cheia de compreensão. — Aqui, ninguém vem por vontade própria. 

Olhei para ele, tentando captar a profundidade de suas palavras. — O que você quer dizer?

Ele suspirou, os ombros tensos sob a camisa de algodão desbotada, que já tinha visto dias melhores. — Muitos de nós... estamos aqui por motivos diferentes. Alguns vêm por dinheiro, outros por desespero. E outros, como você, são trazidos aqui por uma força que não podem resistir.

— Mas... por quê? Por que ficar? — Eu precisava entender, precisava saber o que me aguardava.

Emanuel balançou a cabeça, seus olhos sombrios fixos nos meus. — Eu estava no último ano da faculdade de Direito quando minha vida desmoronou. Sem dinheiro para continuar, sem emprego e sem apoio, acabei me envolvendo com as pessoas erradas. Morgana apareceu e, com sua manipulação, me fez acreditar que este era meu único caminho. Eu conheço as leis, sei que isso é errado, sei do artigo 244 do Código Penal, mas... aqui, as regras são diferentes. Eles jogam com nossas fraquezas, Rubi, e fazem com que pensemos que não há outra opção.

Antes que eu pudesse formular outra pergunta, uma figura surgiu nas sombras. Era Lena, uma prostituta de cabelos escuros e olhar intenso. Ela se aproximou de nós com uma elegância discreta, como se não quisesse interromper, mas ao mesmo tempo, sentisse a necessidade de se envolver. Havia um brilho de tristeza em seus olhos, um brilho que carregava histórias não ditas.

— Não adianta tentar entender tudo de uma vez — disse Lena, sua voz suave, mas firme. — O que você precisa saber é que, neste lugar, as coisas nem sempre são o que parecem. E quanto mais você luta contra isso, mais presa você fica.

Lena se sentou ao meu lado, sua presença trazendo um estranho conforto. — Eu tinha uma filha... Jennifer. Ela tem seis anos agora, mora com meus pais na periferia de Curitiba. Vim para o Rio em busca de uma vida melhor, mas a cidade tem seus próprios planos para quem vem de fora, desavisado. Morgana me encontrou num momento de fraqueza, e agora estou aqui, presa por promessas vazias e medos que não consigo escapar.

Ela me olhou, seus olhos transmitindo uma dor profunda, a dor de alguém que havia sacrificado muito e ainda não encontrou redenção. — Você ainda tem uma chance, Rubi. Mas precisa ser esperta. Para sobreviver aqui, às vezes, é preciso se entregar um pouco... para não perder tudo.

O peso das palavras de Lena e Emanuel caiu sobre mim, e eu sabia que minha luta estava apenas começando. Eles estavam presos de corpo e alma, manipulados por uma mulher que parecia saber exatamente como explorar as fraquezas de cada um.

Mas, enquanto olhava para eles, algo em mim começava a mudar. A sensação de estar perdida, de ser uma jogadora num jogo que não entendia, estava sendo substituída por uma determinação silenciosa. Eu sabia que, se quisesse sair daquele lugar, teria que jogar o jogo de Morgana e Luciano... e encontrar uma maneira de virar as cartas a meu favor.

E, de repente, uma ideia me ocorreu. Lena e Emanuel se entreolharam, talvez sentindo o mesmo que eu. Não estávamos sozinhos nessa prisão disfarçada de liberdade. Se Morgana controlava as peças do tabuleiro, nós precisamos nos unir para encontrar uma brecha, um caminho que nos levasse de volta para a vida que um dia conhecemos.

— E se... — comecei a dizer, mas parei, tentando organizar meus pensamentos. — E se encontrássemos uma maneira de expor o que está acontecendo aqui? E derrubar essa fachada?

Lena me olhou com cautela, e Emanuel apertou os lábios. — É um risco enorme, Rubi. Mas... talvez seja a única saída — disse Lena, finalmente.

Emanuel assentiu, seus olhos cheios de uma nova determinação. — Precisamos ser cuidadosos, mas estou disposto a tentar. Já perdemos tanto... não podemos continuar assim. Naquele canto sombrio, um plano começou a se formar, uma esperança tênue que poderia nos libertar — ou nos destruir.

RITUAL DA SÚPLICAOnde histórias criam vida. Descubra agora