Capítulo 8

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Rubi Almeida

O carro deslizou de volta pela cidade, e a passagem pelo Morro do Francês ainda pesava em minha mente. A atmosfera da Área dos Desejos era carregada de um ar denso e quente, onde a linha entre prazer e dor se tornava quase indistinguível. Eu conhecia bem aquele lugar, um labirinto de corpos e desejos, onde a busca por consolo frequentemente se tornava um jogo perigoso. Mas, naquela noite, algo parecia diferente; a tensão era palpável, como se a própria cidade estivesse respirando com dificuldade.

Ao entrar no bar, as luzes fracas e a música abafada me envolveram como um abraço familiar, mas não consegui ignorar o clima pesado de angústia que pairava sobre tudo. Foi então que avistei Morgana e Luciano. Eles estavam no centro de uma tempestade emocional, suas vozes elevadas cortando o ambiente como lâminas afiadas. Morgana estava de pé, os olhos brilhando com uma mistura de raiva e desespero, seus traços contorcidos em uma expressão de mágoa profunda. Cada palavra dela era uma tentativa desesperada de capturar a atenção de Luciano, que parecia distante, perdido em seus próprios pensamentos obscuros.

— Você realmente não se importa mais comigo, Luciano! — a voz de Morgana ecoou pelo bar, carregada de dor e frustração. — Tudo o que você faz é pensar nela! A única que parece ter sua atenção agora! Você se esqueceu de mim, da única que sempre esteve ao seu lado!

Um silêncio desconfortável se instalou ao redor deles, enquanto outros clientes trocavam olhares curiosos. Eu me encostei na parede, observando, sentindo a tensão no ar crescer como um fio prestes a se romper. O olhar de Luciano, fixo em um copo de bebida, era de cansaço, mas poderia facilmente ser confundido com desprezo.

— Morgana, não comece com isso de novo — ele respondeu, a voz baixa e cheia de cansaço, mas havia um tom de exasperação que a feriu ainda mais. Ele a olhou rapidamente, mas logo desviou o olhar, incapaz de enfrentar a dor que ela estava expressando.

— Não comece? — ela retrucou, a voz tremendo, os olhos brilhando com lágrimas que ameaçavam cair. — Você está tão obcecado por ela que não percebe o quanto isso me machuca! A única pessoa que você deveria estar beijando os pés é a minha!

As palavras dela cortaram o ar como um golpe, e o desespero a consumia, transformando sua luta por atenção em um espetáculo triste. O tom de sua voz denunciava a humilhação que ela sentia, enquanto as lágrimas começavam a escorregar por seu rosto, misturando-se à maquiagem que já estava borrada. Eu podia sentir o constrangimento dos outros clientes, a tensão crescendo a cada segundo. Morgana estava se despindo de sua dignidade, exposta diante de todos, enquanto a indiferença de Luciano a feriu como um punhal.

— Você não entende, não é? Eu sempre estive aqui, e agora tudo o que você faz é se perder em um sonho! — Morgana continuou, sua voz se elevando em desespero. — Eu sou a que está aqui, lutando por você, enquanto você só consegue ver a imagem dela! Você não percebe que está me destruindo?

Luciano finalmente levantou os olhos, e o olhar que ele lançou a Morgana era um misto de dor e frustração. — Eu não tenho tempo para isso, Morgana. Não estou obcecado por ninguém. Eu só… não sei o que você quer de mim.

As palavras dele a atingiram como uma flecha envenenada, e ela começou a chorar, a maquiagem borrada transformando seu rosto em uma máscara de tristeza. O desespero dela se transformou em um grito silencioso, e eu sentia um peso no peito ao testemunhar aquela cena. A luta de Morgana não era apenas por um amor que parecia perdido, mas também por um lugar que nunca deveria ter sido contestado. Era como se ela estivesse implorando por um pedaço de atenção, mesmo que isso significasse se humilhar diante dele.

Eu não podia mais ficar ali. A briga deles não me dizia respeito, e minha prioridade era Lena e Manuel. Com um movimento rápido, me virei e saí do bar, o ar da noite fria me recebendo como um lamento, enquanto a tensão ainda reverberava em minha mente.

Ao chegar ao quarto que dividiam, a cena que encontrei era devastadora. Lena estava sentada na beirada da cama, seu corpo tremendo e encolhido, um retrato de vulnerabilidade. O cheiro do ambiente era opressivo, misturando o aroma de desespero com uma sensação de claustrofobia. As lágrimas escorriam por seu rosto machucado, e as marcas visíveis de abuso eram um testemunho cruel do que ela havia enfrentado. A imagem dela, tão fragilizada, fez meu coração acelerar em um turbilhão de emoções.

— Lena... — chamei, mas minha voz estava embargada pela raiva que fervia dentro de mim. O ódio por quem a machucou estava se formando como uma tempestade pronta para eclodir.

Ela levantou o olhar, seus olhos cheios de dor e desespero. — Eu não consegui... — murmurou, a voz mal conseguindo sair. O que ela disse me atingiu como um soco no estômago.

— O que aconteceu? — perguntei, minha voz se transformando em um sussurro, enquanto me aproximava, sem saber se deveria tocá-la, mas precisando entender.

Manuel, que estava em um canto, levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos de choro. — Eu... eu não consegui impedir. O cara, ele era... — a voz dele falhou, e ele desviou o olhar, incapaz de seguir.

— Ele fez o quê? — Eu precisava saber, precisava entender a profundidade do que tinha acontecido.

Manuel respirou fundo, como se estivesse se preparando para compartilhar um peso insuportável. — Ele a machucou, Rubi. Lena estava apenas tentando se proteger, e ele... ele não se importou. Ele a destruiu.

As palavras dele eram como facas afiadas, cortando meu coração e preenchendo minha mente com uma fúria incontrolável. A injustiça da situação me incendiava. A ideia de que alguém havia feito isso com Lena, que ela estava ali, quebrada e machucada, era insuportável. Eu sentia a necessidade de fazer algo, de agir, de trazer justiça não apenas para ela, mas para todas as outras vozes que haviam sido silenciadas.

— Não se preocupe, Lena — disse, a voz agora firme, carregada de uma determinação feroz. — Eu vou fazer justiça por você. Ninguém vai se safar do que fez isso.

Enquanto observava Lena, a dor dela refletida em seu olhar, a raiva dentro de mim fervia, pronta para ser liberada. Eu sabia que o caminho que eu escolheria a partir daquele momento seria um caminho de vingança, e eu estava pronta para enfrentá-lo. A busca por justiça se tornaria uma jornada sem volta, e quem quer que tivesse causado sofrimento a Lena sentiria o peso da minha determinação.

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