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ELA

O que o primeiro imigrante pensou quando deixou sua terra por outra distante? Sentiu falta de casa? Se arrependeu após anos? Viveu com base em achismos do que ele considerava melhor para si nos anos seguintes até sua morte? E sobre seus descendentes? Os que não tiveram voz sobre a saída, sobre a decisão de partir para um lugar tão distante. Não costumava ter esses pensamentos, de uma possível ligação com minha terra. Além da língua, que eu falava menos a cada dia, não sentia a maioria dos efeitos que o México deixou em mim. A não ser aqueles que a maioria das pessoas gostam de sempre lembrar que tenho, minha aparência, minha ''impetuosidade''. Semana passada me peguei pensando que meus traços mexicanos nem são tão destacáveis, que conheço imigrantes que tem mais "cara de latino" do que eu. Odiei ter pensado assim, me senti minha avó. A ideia de largar tudo e ir para a luta por direitos humanos não me apetecia também. Estou cansada de lutar.    

Meu avô acha engraçado o meu cansaço, diz que sou muito jovem para sempre estar tão abatida. Eu pensei que minha maior dificuldade sendo diferente das pessoas a minha volta seria na escola, pois seríamos todos crianças. Eu estava devidamente enganada. Menina tola. As pessoas admiravam a oportunidade de me ter em seus ambientes, encaravam como caridade. A garota não branca que estuda entre nós, vamos dar essa chance. Terminar o ensino médio me fez ver que talvez eles esperassem que apenas sumisse, já que meus privilégios tinham acabado. Dale tinha razão sobre isso, eu era tudo que o bom sonho americano alimentava.

–Vai gastar seus quarenta minutos de intervalo pensando? - Abuelo senta no banco de cimento ao meu lado, as rugas de seus olhos intensificando a aparência de velhice, ele esboçava dor, passando a mão nas coxas. - No que tanto pensa?

–O senhor está sempre me perguntando isso. - Encaro o horizonte à minha frente, o sol escaldante do meio dia.

–Porque você está sempre pensando. - Sei que ele está dando um sorriso de canto de boca.

Passo as mãos alisando o colete que usava como uniforme do supermercado.

–Estava pensando sobre imigração.

O encaro e ele me dá um sorriso sonolento, traçando um caminho com os dedos nos fios ralos e esbranquiçados do cabelo.

–Você sabe que não vai salvar o mundo, hija.

–Não estava pensando nesse aspecto. Só estava insatisfeita. - Ele pisca, abrindo a sacola de papel que continha dois sanduíches feitos por Abuela e me entrega um. - Você voltaria para casa?

Ele mastiga, farelos de pão caindo em seu uniforme.

–Essa é minha casa. - Ele não me olha ao falar.

Comemos em silêncio, como fazíamos na maioria dos almoços do último ano. Não por falta de assunto, mas porque eu costumava deixar meu avô cochilar antes do próximo turno. Ele parecia ainda mais cansado nesse novo emprego, ou talvez eu tenha essa visão porque o vejo trabalhando o dia todo. No meio do último ano da escola, o ano mais solitário de toda a minha vida, perdemos a hipoteca da casa. Abuela gastou tudo que tinha com as duas cirurgias que fiz em meu pé. Eu recuperei o pé, mas perdi todo o resto. Fiquei com basicamente nada do que juntei na banda, eu comprava comida e colocava no meio das compras de vovó. Ela nunca me falou se percebeu. Tive que arrumar um emprego de meio período, que depois da formatura, se tornou integral. Aqui era mais legal nos primeiros meses, quando George ainda trabalhava aqui. Como se o destino odiasse minha família, meu avô perdeu o emprego da fábrica, e agora há dois Conteras trabalhando.

Meu trabalho não era o fim do mundo, mas uma garotinha nunca sonha em virar caixa de supermercado. Como hoje é quinta, não volto com vovô para casa e sigo até o teatro, onde era auxiliar nas aulas de ballet para crianças. Eram duas horas vendo as próximas patricinhas de North Valley, antes que o dinheiro e a ganância as corrompessem de vez. De todas as formas que eu ganhava dinheiro, essa era a pior. Dançar duas vezes por semana era como uma falsa ilusão de que aquela poderia ser minha vida. Exceto que não era.

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