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ELA

O cansaço faz minhas pálpebras pesadas baterem uma contra as outras. Essa casa tem o cheiro bom demais para ser a minha, cheiro de limpeza e coisas caras. A casa de Melinda Ellison era uma das primeiras e mais simples de North Valley, mas era bem bonita. Em comparação a de meus avós, era uma mansão. Nesse bairro, me sentia em outra cidade. Lembro da festa de Halloween de Samantha Terrence que Louise me convenceu a ir anos atrás, do quanto sua casa era pequena em comparação às outras casas daqui, mas ainda assim, possuía lustres em todos os cômodos. Me pergunto o porque esse detalhe em específico ficou guardado em minha memória. 

—Bom dia! - A mulher de pouco mais de quarenta anos diz, um sorriso fraco, servindo café em três xícaras.

Melinda morava com sua melhor amiga, mas eu nunca a tinha visto até vir para cá três dias atrás, quando minha avó encontrou tudo de Becky.

—Para onde você vai? - Arthur me perguntou naquela tarde, quando me soltei de seu abraço acolhedor demais pois tudo estava me deixando tonta.

—Eu não sei. - Respondi, seguindo pelo quarteirão sem rumo.

Arthur insistiu que ele me acompanhasse, o que por cansaço eu aceitei. Pedi que ele me trouxesse até a casa de Melinda, que me acolheu como quem recebe um cachorrinho na chuva. Ela me viu chorar por duas horas antes de me entregar uma caneca grande de chá com uma cara fechada. Não perguntou o que tinha acontecido, apenas disse que eu poderia ficar o quanto precisasse. Me deu o grande quarto de visita, todo em tons de marfim. Naquela mesma noite, Arthur apareceu perto das dez, o que me deixou envergonhada por não estar em minha casa, mas Melinda não pareceu se importar. Ele havia levado uma mala com minhas coisas, que Teresa havia arrumado. Apenas agradeci.

Só descobri que havia outra mulher morando na casa no café da manhã seguinte. Celeste era diferente de Melinda, era loira e baixa, com quadris largos. Ela não me fez perguntas, foi simpática e monossilábica. Celeste, como metade da cidade, trabalhava na empresa Castilho. Na conversa do jantar, a qual eu só escutei em silêncio, Celeste parecia trabalhar com números e ter uma vida bem atarefada. Minha relação com minha professora de ballet sempre tinha sido distante, mas quando a procurei por alguma vaga, em busca de dinheiro extra, meses atrás, nos aproximamos. Ela era uma mulher fechada, mas bastante sensível.

—Bom dia. - Respondo para a mesma, sentando no balcão da cozinha.

—Você não dormiu bem. - Ela afirma, estendendo um prato de torradas para mim e sentando à minha frente, na ilha.

—Estou preocupada com algumas coisas. - Mordo o pão fresco e crocante. - Preciso sair em trinta minutos, tenho turno no supermercado.

—Celeste leva você. - Melinda confere no corredor e no mesmo instante escutamos os saltos finos.

Ao entrar na cozinha, a loira abraça Melinda mas rapidamente desfaz o toque.

—Precisa de carona, Maria? - Celeste pergunta, pigarreando.

—Seria bom. - Empurro a torrada com café, pegando outra em seguida.

—Está feito, então. - Ela bebe do café e pisca para a amiga. - Como será o seu dia?

As duas conversam enquanto minha mente cansada e insone volta para a tarde anterior. Dale está aqui, nessa cidade. Ele veio me ver. E eu murchei. Estava em completo choque, fiquei estática sem conseguir formular uma frase inteira. Nunca consegui visualizar como a volta seria porque uma grande parte de mim acreditava que ele poderia nunca mais voltar. Acho que me apeguei a essa ideia. Estava sendo ingênua e cega para esse lado. Nas primeiras semanas após Dale ter ido embora, eu chorava até dormir, imaginando todas as versões que ele poderia estar vivendo. Com o tempo as noites chorosas foram diminuindo, até apenas um vazio de saudade restar. Certos dias, geralmente os mais cansativos, eu me perguntava se tudo aquilo havia mesmo acontecido. Meu único lembrete de que sim era a forma esquiva que Louise me olhava na escola. Éramos melhores amigas antes disso tudo, e eu também esquecia que sentia falta disso às vezes. O cheiro do outono que me encantei pelo lado misterioso de Dale pesa quando toco no sueter que ele me deu naquele natal, no gorro verde que eu guardava no fundo da cômoda, na falta que meu colar de cruz ainda fazia em meu pescoço. Os sentimentos vinham fortes demais em alguns momentos, me deixando sem ar, com os lábios dormente, apenas imaginando como eu aliviaria todas as minhas dores com mais um de seus beijos avassaladores. Me arrependo de ter amadurecido e descobrir que isso não será possível.

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