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ELA

O som de Abuela lavando a louça é a única coisa que escuto quando chego em casa do trabalho com vovô. Quando adentro mais dois passos na sala, vejo que Teresa e Arthur estão conversando no sofá. Reviro os olhos para que ninguém veja, cansada desse cara estar sempre por aqui.

—Abuelo! - Teresa levanta e cumprimenta nosso avô, que a recebe num abraço apertado, beijando sua cabeça.

Cariño, como foi seu dia?

Minha irmã conta que ela e Arthur fizeram um piquenique na praia e que eles passaram a tarde com Abuela, em casa. Minha irmã estava tendo seu último verão perfeito. Arthur sorri para mim, o que o retribuo com um aceno de cabeça, retirando meu tênis sujo na entrada, em seguida dou três passos para chegar na cozinha. O cheiro de sabão de coco que emana das mãos de minha avó chega até minhas narinas.

Ponho a sacola de papel com frutas em cima da mesa de madeira, o que ela rapidamente olha, mas não diz nada.

—Eu comprei do meu dinheiro, não se preocupe com o salário do vovô. - A respondo, abrindo a geladeira em busca de leite.

—Não perguntei nada. - Diz, removendo o sabão dos pratos brancos.

—Só estou dizendo.

Sento em uma das cadeiras, logo atrás dela e bebo do leite, mordendo uma das maçãs que comprei. A comida me faz suspirar, enquanto mastigo rapidamente.

—Preciso falar uma coisa com você. - Ela diz, enxugando as mãos num pano seco e conferindo se o resto de nossa família ainda estava na sala.

Minha avó seriamente senta em uma das cadeiras e me olha nos olhos pela primeira vez em semanas.

—O que? - A maçã desce ruidosamente por minha garganta.

—Teresa passou para o formulário de inscrição gratuita para ajuda federal ao estudante, em Berkeley. - Minha avó puxa uns papéis embaixo do vaso da cozinha, que só agora notei que estavam ali. - Eles deram a possibilidade de um empréstimo.

Abro uma das pastas e me admiro com a média 9.1 de Teresa.

—Quando ela se tornou uma aluna tão boa? - As palavras maldosas escapam de minha boca e minha avó franze o cenho, puxando a pasta de minhas mãos.

—Quando você estava ocupada pensando em você. - Ela respira fundo. - Eu estive conversando com Arthur e ele também acha uma ótima possibilidade.

Ela encara as próprias mãos, remexendo os dedos.

—Mas...? - Tento adivinhar que há um porém em seu tom neutro para uma notícia tão boa.

—Mas ele diz que Teresa está pronta para dar mais um passo no relacionamento, que quando ela for para a faculdade ela precisará de vez ingressar na sociedade. Precisará ter uma casa que possa receber pessoas, que possa mostrar quem ela realmente seja.

Reviro os olhos e empurro minha raiva com um gole do leite gelado.

—Essa é nossa casa. A casa que conseguimos manter. Teresa ficará bem. Com ou sem esse relacionamento. Até onde eu saiba, com essa média e o empréstimo, ela não precisará deles para entrar na faculdade que quer. - Minha avó me encara, um semblante desapontado. - E porque está me contando?

—Maria. - Ela pega minha mão, o movimento parece forçado. - Preciso que você nos apoie nessa nova vida. Será o melhor para todos nós.

Puxo minha mão, voltando a morder a maçã.

—Se acha que não vou mudar com vocês, está enganada. Não vou me contrapor a Teresa querer fazer o que acha melhor para ela. Não tenho culpa que ela é cega.

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