CHINFRIM XVI

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Os deuses desta era cegaram o entendimento de descrentes, para que não vissem a luz do próprio demônio e da glória do Diabo.

Coríntios 4:4

As palmas de Faye apertavam o volante de couro com certa força enquanto seus dedos batucavam-no inquietamente, formando um som levemente irritante. Sentia-se impaciente. O corpo escultural estava coberto por um terno Jean Paul Gaultier preto enquanto se apoiava, de modo desleixado, sobre o assento do veículo.

Lúcifer fitava a estrada. Pela primeira vez, parecia estar sem rumo. A irritação que a habitava parecia querer rasgar a sua pele, consumi-la, até que, enfim, estivesse inteiramente alastrada. Era continuamente cansativo aquele circo de regressar ao Inferno.

Ela sempre manteve a mais absoluta consciência do que fazia e das consequências que corria. Sabia que era inegável o fato de estar na hora de seu retorno, mas não almejava abandonar a Terra ou o que havia construído nela.

Chateava-a em demasia saber que, a qualquer instante, tudo se tornaria uma vasta e pequena lembrança. Fechou os olhos com melancolia, suspirando profundamente, sentindo o peito estufar e, no mesmo instante, esvaziar-se.

O trânsito não estava turbulento, o que era de se estranhar, visto que as ruas de Bangkok eram altamente movimentadas, especialmente durante as noites.

Repetiu o suspiro de outrora, no intuito de se tranquilizar. Precisava colocar a cabeça no lugar, para, então, decidir o que seria o certo a se fazer.

A Diaba necessitava de um escape, com uma urgência estrambótica. Quem sabe conhecer uma nova boate com cores e músicas diferentes, desfrutar de novas mulheres e homens, beber tudo o que lhe fosse oferecido, lícito ou não e, enfim, gozar de sua jomada na Terra, antes que ela fosse brutalmente interrompida.

No entanto, o seu coração e seu Corvette a guiavam para outro caminho, passavam entre os quarteirões já bem conhecidos por seus pneus, volante e por ela mesma. Yoko era sua verdadeira salvação, tão forte quanto um uísque envelhecido.

Não demorou para que o conversível preto e bem polido estivesse em frente à residência dos Apasra. Pisou seu solado caro, com rigidez, sobre o gramado pouco verde e pôs-se a caminhar com tranquilidade.

Logo, volveu sua atenção para a nova porta, idêntica à anterior, de madeira fraca e módica. Peraya negou friamente ao lembrar o momento que a derrubou. Mal havia chegado e o desejo de quebrá-la, novamente, mostrou-se enorme e bastante violento.

Tocou a campainha, por uma única vez, mantendo-se duvidosa de seu funcionamento, uma vez que nunca a havia tocado. A porta foi ligeiramente aberta, dando-lhe a visão de Karen. Instantaneamente, a mulher sorriu-lhe grande, exibindo seus dentes certos, bem semelhantes aos de Yoko. Ela era uma mulher muito bonita.

_ Oh, Faye, como vai? - a pergunta foi feita em um tom animado, apesar da voz denunciar um desgaste.

_ Vou bem, Karen. - Sorriu simpática. _ A Yoko está? - o timbre curioso soava sério, mesmo que tentasse ser o mais gentil possível.

_ Está sim. Entre, por favor. - Abriu a porta, saindo um pouco do caminho, para que a outra pudesse adentrar a residência. Sem delongas, a Diaba passou pelo portal, ficando de frente para a escadaria envelhecida.

_ Bem, eu estou terminando a faxina nos quartos; deixei Yoko na cozinha. Você quer que eu te acompanhe até lá ou pode ir sozinha? - Suas mãos mexiam-se, gesticulando enquanto exibia uma expressão apressada e cansada.

- Pode ficar despreocupada, sei o caminho. - Tentou soar divertida, e pareceu funcionar.

Karen assentiu e voltou a subir os degraus, dando uma risadinha meiga pelo modo como Peraya falava, permitindo que seu rir se misturasse ao ranger da madeira velha.

No Limiar do Inferno (Adaptação Fayeyoko) Onde histórias criam vida. Descubra agora