Veneno, não me beba.

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O horror correu nas veias de Chaeyoung.
A mosca saiu voando, e um pássaro cinzento, da mesma cor monótonoa das estátuas, encontrou a grinalda de flores que enfeitava o cabelo de Jihyo e começou a bicar, bicar, bicar.

Chaeyoung e Jihyo até podiam não ser próximas - e talvez a jovem tivesse mais inveja da irmã postiça do que gostaria de admitir -, mas Chaeyoung só queria impedir seu casamento. Não queria que ela virasse pedra.

Doeu respirar quando ficou de frente para a estátua de Tzuyu. Normalmente, ela parecia ser tão descontraída... Mas, transformada em pedra, seu rosto estava congelada em uma expressão alarmada, seu maxilar delicado estava rígido, os olhos apertados e... uma ruga havia se formado entre suas sobrancelhas de granito.

Ela estava se mexendo.

Seus lábios de pedra se entreabriram, como se estivessem tentando falar, tentando dizer algo para ela...

- Mais um minuto, e ela vai parar de se remexer.

O olhar de Chaeyoung disparou em direção ao lado de trás do gazebo
Mina estava encostada, bem à vontade, em uma treliça coberta de flores azul-tempestade e mordiscava outra maça branca e reluzente. Parecia meio jovem nobre entediada, meio semideusa malvada.

- O que foi que você fez? - indagou Chaeyoung

- Exatamente o que você me pediu. - Mais uma mordida na maçã. - Garanti que o casamento não acontecesse.

- Você precisa consertar isso.

- Não posso. - Seu tom de voz era preguiçoso , como se já estivesse cansada daquela conversa. - Um amigo que me devia um favor fez isso. A única maneira de desfazer é alguém tomar o lugar deles. Mina olhou para a grama ao lado do gazebo, onde havia um cálice de bronze pousado em um toco de árvore envelhecido.
Chaeyoung se aproximou da taça.

- O que você está fazendo? - Mina se afastou da treliça de repente, não mais indiferente, enquanto Chaeyoung observava o cálice.
Se ela bebesse, tudo estaria consertado?

- Nem pense nisso. - A voz dela se tornou mais aguda. - Se você beber e ficar no lugar deles, ninguém vai salvá-la. Você virará pedra para sempre.

- Mas não posso deixá-los desse jeito. - Apesar de uma parte de Chaeyoung concordar com Mina, não queria se tornar uma estátua de jardim. Não tinha nem coragem de pegar o cálice enquanto lia as palavras gravadas em cada um dos lados.

Veneno

Não me beba

Um cheiro de enxofre subia do objeto, e a jovem não tinha sequer certeza de que seria capaz de beber o líquido malcheiroso. Mas como poderia se perdoar se permitisse que todos continuassem enfeitiçados?
Chaeyoung olhou para o pássaro, que ainda bicava a grinalda de flores de Jihyo, depois para Tzuyu e seu pedido de ajuda congelado. Os pais de Tzuyu estavam de pé, ao lado dela. Havia ainda um azarado juiz de paz, que escolhera a união errada para oficializar. Chaeyoung não queria se sentir mal pelos três amigos de Tzuyu nem por Agnes. Só que, ainda assim que seu pai não tivesse se casado com Agnes por amor. Ele odiaria tudo aquilo. Tanto seu pai quanto sua mãe ficariam decepcionados pela fé de Chaeyoung na magina tê-la feito enveredar por aquele caminho.

- Não era isso que eu queria - sussusrou.

- Você está encarando isso da maneira errada, meu bem. - Mina jogou no chão do gazebo a maça comida pela metade, que rolou até bater na bota de pedra de Tzuyu. - Assim que essa história se espalhar, todos no Império Meridiano vão querer ajudar você. Você será a garota que perdeu a família por causa dos terríveis Arcanos. Pode até não ficar com Tzuyu, mas vai se esquecer dela logo, logo. Com sua madrasta e irmã postiça transformadas em pedra, acredito que vai herdar algum dinheiro, Amanhã de manhã, você será famosa e um pouco pobre.

Mina exibiu as duas covinhas, como se realmente tivesse feito um favor para Chaeyoung
Ela ficou enjoada de novo.
Nas histórias, os Arcanos eram deuses malvados que só queriam causar confusão e caos. Mas era daquilo que as pessoas deveriam ter medo. Chaeyoung olhava para aquelas estátuas humanas e via nelas o horror, mas Mina via nelas uma utilidade. Os Arcanos não eram perigosos porque eram maus: os Arcanos eram perigosos porque não sabiam a diferença entre o bem e o mal.

Mas Chaeyoung sabia a diferença. E também sabia que, às vezes, existe um espaço nebuloso entre o bem e o mal. Era nesse espaço que pensou ter entrado naquela manhã, quando fora rezar na igreja de Mina e pedir um favor. Mas tinha cometido um erro e precisava remediá-lo.
Chaeyoung pegou o cálice.

- Largue isso - advertiu Mina. - Você não quer fazer isso. Você não quer ser a heroína, quer o final feliz; foi por isso que me procurou. Se beber, isso nunca vai acontecer. Os heróis não têm direito a finais felizes. Abrem mão deles em favor de outras pessoas. É isso mesmo que você quer.

- Quero salvar a garota que amo. Só terei que torcer para que ela resolva me salvar também.

E, antes que Mina pudesse impedi-la, Chaeyoung bebeu.
O gosto do veneno era pior do que o cheiro - gosto de ossos queimados e esperanças perdidas. A garganta dela fechou, e Chaeyoung ficou com dificuldade de respirar, e depois de se mexer. Pensou ter visto Mina sacudir a cabeça, mas era dificil ter certeza.

Sua visão estava ficando enevoada. Veias negras tomavam conta do jardim espalhando-se como tinta derramada. Escuridão, escuridão por todos os lados. Era noite, sem lua, sem estrelas.
Chaeyoung tentou se convencer de que tinha tomado a atitude correta. Salvara a vida de nove pessoas. Uma delas a salvaria também.

- Eu avisei - murmurou Mina. A jovem ouviu a princesa soltar um suspiro frustrado, ouviu-a resmungar a palavra "pena". e aí...
Ela não ouviu mais nada.

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Pequeno? Eu sei que é pequeno, mas é bomba atrás de bomba ❤️

Era Uma vez Um coração Partido - MichaengWhere stories live. Discover now