O tempo passou.
O clima esfriou.
As folhas mudaram de cor.Bancas de maças surgiram nas esquinas, vendendo tortas, bolos e outras delícias da estação. Sempre que Chaeyoung passava por uma dessas bancas e sentia o cheiro adocicado de fruta, lembrava-se de Mina e da dívida que tinha com a Arcana, e seu coração galopava como um cavalo, querendo escapar do seu peito. Mas, pelo jeito, a Princesa de Copas havia se esquecido dela, exatamente como Veneno dissera.
Tzuyu nunca mais voltou, e a loja de curiosidades não reabriu.
Chaeyoung tentou convencer Agnes a deixá-la trabalhar na livraria secreta de seu pai. Que não era tão mágica quanto a loja de curiosidades, mas pelo menos tinha algo para fazer. Só que, passados alguns dias, começou a se sentir como um dos livros usados e empoeirados que ficavam nas prateleiras do fundo da loja. Títulos que já haviam sido populares, mas que ninguém mais procurava.Chaeyoung ainda era conhecida demais para a madrasta expulsá-la de casa, mas tinha medo de que isso acontecesse mais dia, menos dia. Os tabloides haviam publicado o boato de que seu beijo transformava cavaleiros em pedra. Desde então, seu nome só era mencionado discretamente, com pouca frenquência. Jeon também estava começando a esquecê-la, exatamente como Agnes havia dito.
Mas Chaeyoung se recusava a abandonar a esperança.
Liana, sua mãe, criara a filha com base nos contos de fadas da região onde crescera, o Magnífico Norte.
No Norte, contos de fadas e histórias eram tratados do mesmo modo e como uma coisa só, porque tanto as histórias reais quanto as fictícias eram amaldiçoadas. Algumas lendas não podiam ser escritas sem que o papel pegasse fogo; outras, não saíam do Norte, e muitas mudavam sempre que alguém contava, tornando-se cada vez menos reais a cada reconto. Diziam que todas as lendas do Norte começaram sendo histórias verdadeiras. Mas, com o tempo, a maldição das histórias do Norte distorceu todas as lendas até sobrar apenas resquícios de verdade.
Uma das histórias que Liana costumava contar para Chaeyoung era "A balada da Arqueira e da Raposa", uma lenda romântica sobre uma plebeia, que era talentosa e capaz de se transformar em raposa, e uma jovem arqueira, que a amava, mas era amaldiçoada e tinha necessidade de caçá-la e matá-la.
Chaeyoung adorava tal história porque também era uma "raposa", apesar de não ser dessas capazes de se transformar em animal. E também podia ter uma quedinha minúscula pela arqueira. A moça pedia para a mãe contar e recontar a história inúmeras vezes. Mas como a lenda era amaldiçoada, toda vez que sua mãe se aproximava do fim, esquecia de repente o que estava dizendo. Nunca conseguia contar para a filha se a arqueira beijava a garota-raposa e os dois viviam felizes para sempre, ou se ela caçava a garota-raposa, e a história terminava em morte.
Chaeyoung pedia simplesmente para Liana contar como achava que a história terminava. Mas a mãe sempre se recusava, dizendo: "Acredito que existem outras possibilidades além de finais felizes ou tragédia. Toda história tem potencial para infinitos fins".
A mãe de Chaeyoung repetia isso com tanta frequência que a frase cresceu dentro da filha, enraizando-se no coração de suas crenças. Esse era um dos motivos para ela ter ingerido o veneno que a transforma em pedra. Não porque era destemida ou absurdamente heroica: era porque Chaeyoung simplesmente tinha mais esperança do que a maioria das pessoas. Mina dissera que sua única opção para ter um final feliz era ir embora. Que, se bebesse o veneno, seria de pedra para sempre. Mas a jovem não podia acreditar nisso
Sabia que sua história tinha potencial para infinitos fins - e essa crença não havia mudado.
Havia um final feliz esperando por ela.A sineta presa à porta da livraria tocou. A porta ainda não tinha se aberto, mas a sineta deve ter sentido que alguém especial ia entrar, porque tocou segundos antes da hora.
Chaeyoung percebeu que estava segurando a respiração, torcendo para que Tzuyu entrasse. Gostaria de perder esse hábito. Só que a mesma esperança que levava Chaeyoung a acreditar que ainda poderia haver um final feliz esperando por ela também a fazia pensar que, um dia, Tzuyu voltaria. Não importava quantas semanas ou meses tivessem passado. Sempre que a sineta da livraria tocava, ela não conseguia deixar de ter esperança.
A jovem sabia que certas pessoas a achariam tola por ter essa atitude, mas era incrivelmente difícil deixar de amar alguém completamente quando não se tem mais ninguém para amar.
Chaeyoung desceu depressa a escada e passou correndo por diversos fregueses que vasculhavam as prateleiras dos corredores. A última pessoa que passara pela porta não era Tzuyu, mas também era alguém inesperado.
Jihyo nunca tinha visitado Chaeyoung na livraria. Na verdade, a irmã postiça nunca saía de casa, raramente saía do quarto, e parecia visivelmente incomodada por ter feito ambas as coisas naquele dia. Retorcia as mãos enluvadas a cada passo que dava.
Dado que a livraria era um tanto secreta, não parecia ser grande coisa do lado de fora. Apenas uma porta com uma maçaneta que sempre dava a impressão de estar prestes a cair. E, apesar disso, havia uma espécie de magia do lado de dentro. Era a sensação de luz de velas no crepúsculo, poeira de papel no ar, e fileiras e mais fileiras de livros insólitos guardados em estantes inclinadas. Chaeyoung adorava, mas Jihyo se movimentava entre as pilhas como se fossem cair em cima dela.
Ao longo dos últimos meses, a Noiva amaldiçoada havia se tornado parte do folclore local. Ninguém mais se casava no jardim e, se um casamento fosse cancelado, era considerado de mau agouro remarcar.
Como raramente saía de casa, Jihyo não era tão reconhecida como a verdadeira Noiva Amaldiçoada, mas Chaeyoung já podia ver o desconforto da irmã percebendo que os demais fregueses tinham a sensação de que havia algo a temer. As conversas se tornaram sussurradas, e os fregueses fizeram questão de passar longe dela.
Chaeyoung continuou andando na direção dela com um sorriso no rosto, torcendo para que a irmã não percebesse aqueles olhares nem um pouco simpáticos.
- O que você faz aqui? Quer um livro? Acabamos de receber um carregamento de livros de culinária.
Jihyo sacudiu a cabeça, de um modo quase violento.
- Talvez seja melhor eu não encostar em nada. As pessoas podem achar que eu amaldiçoei os livros.
Ela lançou um olhar furtivo para a porta, onde algumas pessoas, por acaso, estavam saindo apressadas.
- Não estão indo embora por sua causa - garantiu Chaeyoung.
Jihyo franziu o cenho, nem um pouco convencida.
- Não vou demorar. Só vim entregar isso.
Então mostrou um elaborado pedaço de pape vermelho aparentemente caro, decorado com arabescos feitos em folha de ouro e selado com um símbolo de cera vermelha.
- Quando vi que entregaram, achei que parecia importante e queria garantir que mamãe não escondesse de você.- Jihyo finalmente conseguiu dar um sorriso, um sorriso que pareceu um tanto malicioso.- Sei que jamais poderei compensar as semanas que você passou transformada em pedra, mas pelo menos é alguma coisa.
- Eu já te disse que você não me deve nada.
Chaeyoung sentiu a tão conhecida pontada de culpa. Todos os dias, ela se sentia tentada a contar a verdade para Jihyo. Mas, todos os dias, faltava-lhe coragem. Como trabalhava na livraria, e a irmã ficava escondida no próprio quarto, as duas garotas não haviam se tornado próximas. Só que, apesar disso, para Chaeyoung, Jihyo era o que mais se aproximava de alguém da familia.
Um dia, ela contaria a verdade para a irmã postiça, mas ainda não era capaz de fazer isso.
E Jihyo nem sequer deu a chance para ela contar. Assim que entregou o papel vermelho. Desapareceu por onde tinha vindo, deixando Chaeyoung sozinha para abrir o bilhete misterioso.
Cara srta. Raposa,
Eu e minha irmã adoraríamos ter
o prazer de sua companhia para o chá
da tarde amanhã, no Pátio Real dos
Beija-Flores, ás duas horas.
Admiramos a senhorita de longe e
gostaríamos de conversar sobre uma
oportunidade empolgante.Saudações cordiais,
Yuqi Marie Dragna
Imperatriz do Império Meridiano.Demorou um pouco mais tá ai 😓😓😓😓
YOU ARE READING
Era Uma vez Um coração Partido - Michaeng
FanficChaeyoung cresceu na loja de antiguidades de seu querido pai. Cercada por lendas de seres poderosos e imortais, ela sempre acreditou em histórias de amor verdadeiro e finais felizes. Mas essas cresças começam a se abalar quando a jovem descobre que...