Capítulo 1

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Estava frio como se estivéssemos no inverno, o vento gelado me fazia tremer da cabeça aos pés. Minhas mãos procuravam os bolsos da minha calça como forma de se aquecerem. Eu me sentia ansiosa para me encontrar com ele, porque ao seu lado eu me sentia viva de verdade, como nunca havia me sentido antes. Talvez seja porque nossas vidas são tragicamente parecidas, ou talvez eu só precisasse de uma companhia, poderia ser até mesmo os dois, mas algo dentro de mim gritava por algo ainda maior. Algo que nem mesmo eu sabia, e continuava a ignorar.

Eu subia a montanha em passos largos, apressada, como se minha vida dependesse daquilo, o que de fato era parecido com o verdadeiro motivo. Estava com medo de chegar no topo e não encontrar quem estou procurando, meu melhor amigo. Havia uma trilha de pedras coloridas que percorria todo o caminho, e ao redor da montanha flores das mais variadas espécies. Eu podia reconhecer as rosas, as margaridas e as orquídeas, mas haviam muitas de que nunca vi. O lugar era bastante alto, o que me fazia suar e ofegar todas as vezes.
Lembro-me da minha primeira vez aqui como se fosse ontem, eu ainda era uma criança e meu pai havia sido enterrado naquele mesmo dia. Lembro de me esconder no porta malas do seu carro, e o amaldiçoar fortemente por me deixar sozinha com a bruxa da Carolina, a mulher com quem ele havia se casado depois da morte da minha mãe. Eu chorava com a mesma intensidade que praguejava, até que o cansaço tomou conta de mim e adormeci. Quando acordei, estava deitada debaixo de uma árvore coberta por um moletom azul marinho. Foi a primeira vez que o vi.

Éramos duas crianças tristes, assustadas em um lugar nunca antes visto por nós. Conforme os anos se passavam, aquele lugar desconhecido era o que a nossa alma reconhecia como casa, nos tornando uma família, ao menos enquanto dormíamos. Era quando nos encontrávamos nesse paraíso que chamamos de lar.
Quando finalmente cheguei ao topo, meus olhos vasculharam todo o local até que finalmente encontraram os seus. Eram tão verdes quanto a grama no verão, o que me deixava hipnotizada.

— Você finalmente chegou! – Ele gritava enquanto corria em minha direção.
— Está esperando há quanto tempo? – Perguntei enquanto tentava recuperar o fôlego.
— Desde que acordei de manhã.
— Mas nós nunca nos lembramos de nada quando acordamos.
— Agnes, mesmo que eu não me lembre de você, eu ainda te esperaria!

Senti meu rosto corar ao perceber o quão sério ele falava. Nós não sabemos sobre este lugar, tão pouco o motivo de virmos para cá quando dormimos, a única coisa que sabemos é que quando acordamos no nosso mundo não nos lembramos deste lugar. Nem mesmo nos reconheceríamos se nos víssemos fora daqui.

  Nando segurou a minha mão e me puxou até o lago que ficava atrás da casa que havia ali. Nos sentamos na borda e colocamos os pés na água. Os pequenos peixes dourados que moravam lá já não tinham medo de nós e nadavam calmamente ao nosso redor.

— Em breve você terá dezoito anos. Isso significa que o orfanato não vai mais ser responsável por você. – Ele deu de ombros. — Nando…
— Não pense muito nisso. - eu sabia que ele queria fugir do assunto, mas eu estava preocupada.
— Então você não pensaria se fosse o contrário? – Ele gargalhou como sempre faz quando está nervoso.
— Eu tenho feito todo tipo de serviço para conseguir juntar uma grana. Não é como se eu fosse dormir na rua, não se preocupe.

Eu sabia que havia sinceridade nas suas palavras, mas nós dois sabíamos o que ele teria que enfrentar. Sem família, sem um teto para morar, e sem ao menos terminar os estudos. Um garoto como ele não conseguiria um trabalho que pagasse o suficiente para sobreviver. Só de olhar para as bolhas em seus dedos eu sei que essa jornada já começou, mas não disse nada. Não queria tornar tudo ainda mais triste.

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