Capítulo 10

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— Você é maluca?
— Estou me fazendo essa pergunta há dias.

Eu não faço ideia de quem seja esse garoto, mas algo em meu coração me diz para não soltá-lo. Eu o conheço? Quando finalmente nos afastamos da rodoviária, nos sentamos no meio fio de um estabelecimento que estava fechado.

— Está com fome? Tenho sanduíche de mortadela. – disse entregando o pão a ele.
— Tem certeza?
— Tenho mais alguns, não se preocupe.
— Dia difícil? – perguntou com a boca cheia.
— Dia difícil.
— Eu vim para cá para recomeçar do zero.
— Que coincidência! Eu também.
— Qual o seu nome?
— Agnes.

Não tinha o porquê de mentir meu nome para um estranho.

— Eu quero vender algo, dizem que nesta cidade a comida é a forma mais fácil de ganhar dinheiro.
— E você sabe cozinhar algo?
— Não.

Garoto estranho.

— Não deve ser muito difícil fazer bolo.
— No começo é difícil, mas com o tempo você pega o jeito. – Falei.
— Então você sabe fazer bolo?
— Aprendi ainda criança.
— Você já tem trabalho?
— Por quê?
— Nós podemos ser sócios.

O olhar dele era de quem estava falando sério.

— Eu paguei três meses de aluguel adiantado em uma kitnet, nós podemos usar a cozinha para fazer os bolos e eu posso fazer as entregas.
— Você quer montar uma parceria com uma estranha e eu quem sou a maluca?
— Uma maluca que me deu comida.

Sorri internamente.

— Quanto você ainda tem?
— Não tenho mais um centavo, gastei tudo no aluguel. A água e a energia estão inclusas, não pensei muito em como ia comer. Mas posso fazer todo o trabalho pesado para compensar.
— Se me deixar ficar na sua casa, eu aceito.
— Então você é uma sem teto?
— Não sou uma sem teto, eu apenas acabei de chegar.
— Certo senhorita sem teto, vou te mostrar onde fica a casa.

Por sorte eu carregava comigo um canivete, eu lutaria até o fim pela minha vida se fosse necessário. Nando disse que era um pouco longe, mas preferimos ir andando para economizar o dinheiro que eu ainda tinha. Ele falava pelos cotovelos, disse que cresceu em um orfanato, mas que as pessoas de lá não eram boas. E como a mãe biológica dele era usuária de drogas, nenhum casal quis adotá-lo. Contei um pouco a ele sobre minha situação com Carolina, mas tentei não dar muitos detalhes, eu não queria compartilhar coisas íntimas com ele.

Nos perdemos várias vezes, a rua estava vazia, então não dava para pedir ajuda. Nando não parecia perigoso, ele parecia tão perdido quanto eu, duas pessoas pensando em como sobreviver. Ele é mais velho do que eu um ano, então não vamos passar aperto por conta da idade, o que foi um ótimo começo. Chegamos na rua onde ficava a kitnet exaustos, era um bairro bem pobre, parecia coisa de filme de terror, mas me surpreendi ao chegar em casa e ver tudo tão limpo e arrumado. A cozinha e sala eram conjuntas, havia um banheiro e um quarto e uma pequena área de serviço.

— Fica com o quarto, é o único lugar com chave. Assim você pode se sentir mais segura.
— E onde você vai dormir?
— Eu me viro.

A casa estava limpa e vazia, tudo que tínhamos era um fogão e uma geladeira. Teríamos que dormir no chão frio até conseguirmos algum cobertor para fazer de colchão. O dinheiro que tenho não dá pra comprar mobília, mas seria o suficiente para começarmos os negócios. Por sorte estávamos no verão, o calor era melhor do que o frio. Me tranquei no quarto e fiz a mochila de travesseiro, a escorando na porta, caso ele tente entrar eu acordaria facilmente. Eu não fazia ideia da hora, tudo que sei é que estou exausta. Cochilei e acordei várias vezes até o amanhecer, ainda estava em alerta, demoraria para me acostumar com tudo.

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