Diga

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O que Dilan faz ou com quem está não é problema meu.

Eu me viro para ir embora, porque vê aquela cena me dá agonia.
Não posso fazer nada, mas também não quero ver isso.

No instante em que dou um passo de volta e as vozes vão lentamente ficando mais longe, lembro do porquê estou aqui.
E porque mesmo nessa situação ver ele sorrir me faz feliz, mesmo que esteja triste e um pouco quebrada.

Meyle, perseguidora do seu primeiro e único amor, quem vai amarrar ele e leva-lo para o altar a força.
Dilan é meu garoto. Mesmo que eu não seja a garota dele, não vou ficar aqui parada e ir me arrepender em casa depois.

Cheia de confiança, Dou meia volta.
Sei que preciso ir naquela sorveteria.

Eu corri na chuva com meu sapatos desamarrados, completamente encharcada, minha respiração descontrolada.
Ouvindo apenas o barulho irritante do meu coração acelerado, por conta do sedentarismo...apenas.

Mas nada disso importava. Eu não estou ligando para as consequências de agora.
A única coisa que eu quero é respostas. Melhor, preciso apenas de uma resposta.

A tortura da chuva fria e alguns tropeços em poças d'água aumentaram o caminho na minha embassada visão.
Pareceram horas, mesmo sendo impossível essa caminhada durar mais que cinco minutos.

Finalmente chego na porta daquela sorveteria. A mistura do roxo com azul e as gotas raivosas caindo na porta de vidro trazem uma sensação de calmaria.
Mas mesmo com toda a determinação de antes, fico hesitante por um momento.
Ou vários.

Não sei por quanto tempo fico parada ali pensando se devo ou não entrar e estragar o clima dos dois.
Não tenho certeza do que quero falar, sei apenas a resposta que quero receber.

Um barulho me assusta e vejo a porta abrindo. Ambos saem tão sorridentes quanto antes.

Ele arma o guarda-chuva gentilmente para que ela não se molhe, mas ao olhar para frente vê a maior assombração de sua vida. Eu mesma.
Molhada, descabelada, machucada, desamarrada...tudo que termine com ada eu me encontro neste momento.

-...Meyle?!...- a surpresa é notável nos seus belos olhos castanhos, que ainda agora conseguem me encantar.
Logo atrás dele está a garota.

Eu não a conheço, mas ela é linda.
Alta, corpo bem feito, cabelo longo, loira... Realmente como todos diziam pelos corredores do colégio.
Não tenho motivos para odia-la, ela parece um anjo. Mas meio que eu queria que ela não existisse.

-Precisamos conversar- eu digo, ainda focada na menina que parece confusamente bela.
Ela não fala nada, apenas olha para Dilan procurando uma explicação. Já ele parece chocado demais para olhar para ela.

- O que pensa que está fazendo?! Vai pegar uma gripe assim!- ele faz menção de se aproximar com o guarda chuva, mas eu o impeço de continuar.

- Pare, não precisa vir. Apenas me responda uma coisa- digo deixando minha mochila molhada cair no chão, ficando completamente exposta a água.

- Você está encharcada...- A voz geralmente suave dele oscila.
Talvez por não querer causar uma má impressão na garota ao seu lado.
Talvez não queira se molhar.
Talvez...

- ME DIGA LOGO!- grito, com ele e também comigo mesma.
Alguma coisa está caindo do meu rosto, mas eu espero que sejam apenas gotas de chuva.

- Meyle...chega disso, vamos para algum outro luga- diz dando um passo a frente, mas o corto antes que tente desviar do assunto.

Hoje ou nunca.

- Você sabe por que eu corri até aqui feito uma louca? Porque você está me deixando confusa. Eu preciso que você diga em voz alta o que quer!- Nesse momento é como se só existisse nós dois, a chuva insistente e  minha respiração.

Ele não me responde, apenas me olha. Um olhar que eu não conheço, mesmo achando que sabia ler ele por inteiro.

- PORQUE NÃO PODE GRITAR O QUE SENTE? ESSA MERDA TODA NÃO FAZ SENTIDO!- Eu desabo gritando enquanto o silêncio dele me tortura mais ainda.

Me sinto uma idiota. Eu nem sei o que estou dizendo. Mas eu o amo e já deixei isso claro, ele não pode fazer o mesmo?

-...Eu realmente...- Ele tenta formar frases mas nada sai-...Meyle...

É como eu esperava. Em cima do muro. Sem uma resposta clara. Sem nem saber o que quer.

- Essa é a sua resposta?- encaro a alma dele. Não quero ouvir mais desculpas. Estou cansada de persegui-lo, quando ele claramente não tem interesse.

- Resposta a que? Você não me fez uma pergunta.- sua fala é fria, e seu olhar inexpressivo. É assim que ele está agora.

- É mesmo...você é assim- dei um sorriso amarelo, embora tenha dentes brancos- Diga o que quer. Não, melhor, diga o que eu sou pra você.

- Você é...a Meyle. Uma garota muito legal e...saia logo dessa chuva!- Ele desvia a conversa e gagueja enquanto fala.

- "Uma garota muito legal"...Haha...- rio tão forçada a ponto de querer chorar.
E talvez realmente choro.

Porque é isso. Eu sou só uma garota legal. Alguém que está ao redor dele. Alguém com quem ele se divertia enquanto estávamos "saindo".

- Sim, entendo.- Acabou tudo que nunca teve.
- Não tenho mais nada a dizer, e desculpe incomodar vocês...- digo finalmente dando atenção a figura feminina que estava parada, assistindo com uma cara assustada e confusa, segurando a manga da blusa dele.

Me virei para pegar a mochila que tinha jogado no chão. Decidida a esquecer esse garoto e arrumar algo mais proveitoso para minha vida, como um curso de inglês.

Mas uma mão segura minha cintura num movimento inesperado.

- Pare com isso...não seja tão impulsiva garota. - Sinto o braço quente dele ao meu redor, calor esse que pode ser só um sinal de hipotermia.
Mas ele estava me abraçando.
Um abraço quentinho, que logo se tornou gelado pela água molhando sua camisa e cabelos. A outra mão antes no guarda chuva azul de estrelas, que agora está caído ao lado da garota, virou meu rosto para olhar novamente os olhos castanhos não tão nublados dele.- Eu disse que você vai ficar gripada assim.

- Agora você também está molhado, seu idiota!- digo dando um mini soco bem na direção do coração dele, tentando ficar brava.

Era uma tarde realmente fria, ou talvez fosse porque eu estivesse encharcada.
Mas a ideia de estar na chuva com ele não era tão ruim assim.

-...Você não vai dizer nada mesmo?...- eu falo tentando prender as lágrimas que eram para o caminho de volta.
Estava fixada nos olhos dele, ou talvez em sua boca.

Senti pela primeira vez que Dilan realmente me olhava.
E como diabos ele consegue ser ainda mais lindo de perto? O fato de estar destruindo meu coração estranhamente aumenta seu charme.

Ele deu um sorriso que não foi o habitual, me encarava como se visse um gato de rua molhado, daqueles que dá vontade de levar pra casa e a mãe não deixa.

Sua mão estava acariciando o meu rosto de uma forma protetora, e isso é injusto porque acabo me apaixonando mais a cada gesto ou respiração dele.
Os olhos castanhos que antes vagavam pelo meu rosto, se fixaram nos meus provavelmente avermelhados pelo choro. Juro que consegui ver até o reflexo da lua naquele olhar que pela primeira vez não consigo decifrar.

Meus pensamentos intrusivos de agarrar aquele cabelo molhado e meter um beijão de cinema quebram completamente o clima romântico e sinto uma leve grande vontade de rir em meio a todo esse caos.

Ele fica sério, e isso me deixa apreensiva.
Espero de verdade que não seja capaz de ler mentes. Ou de ouvir o barulho alto do meu coração que está parecendo um tambor.

- Só vou dizer uma vez, então ouça com atenção... - Ele virou o rosto se aproximando do meu ouvido. Me arrepiei pela proximidade ou talvez pelo frio.

Mas, com um sussurro da sua voz doce Dilan disse o improvável:

- Eu amo você.





Na chuva com aquele garoto.

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