Capítulo 26. Shibuya

93 14 7
                                    

   Correr com um bebê em minha barriga era equivalente a correr segurando uma melancia. Meu coração estava tão disparado, que quase saía pela boca. Senti meu corpo ofegante, ao olhar para trás, avistei apenas a fumaça marcando o céu.

— Cacete! — Gritei. Senti algo molhar minhas pernas, não era chuva, ou água de uma poça qualquer. O líquido vinha de dentro. — N-não. Agora não. Por favor.

Senti uma dor latejante vindo do meu útero, a dor deu voltas em torno da minha barriga. Perambulei até um pequeno templo, haviam flores, musgo e cipós, indicando que há um tempo não era utilizado. 

— Vamos bebê, só mais um pouco. — Resmunguei entredentes, empurrei as portas com o próprio corpo. Andei até o altar e me sentei no chão, ainda haviam velas acesas iluminando o ambiente. — Só mais um pouco.

Meu rosto suava feito uma panela com água quente, retirei meu kimono, depois baixei as calças e abri as pernas. Segurei no altar atrás de mim, comecei a gritar de dor. Meu grito ecoou pelas paredes mofadas do templo, respirei fundo duas vezes, empurrei novamente gritando ainda mais alto.

— Me desculpa. Me desculpa. — Disse à mim mesma, suspirei, empurrei novamente. — E-eu não consigo. E-eu não consigo!

Cerrei os dedos na pedra áspera do altar, meus pés empurraram o chão abaixo de mim, senti o corpo rasgando minha pele e saindo de dentro de mim. Um choro. Foi tudo que ouvi depois.

— Eu to aqui. Peguei você, está tudo bem... — A enrolei no kimono, ela chorou com seus olhos espremidos e as mãozinhas fechadas. — Eu te amo. Eu te amo tanto.

Segurei sua mãozinha delicada, ela parou de chorar. Limpei seu rostinho com o tecido do kimono, ela abriu seus olhos e olhou diretamente para mim, sorri surpresa com a cor viva em seus globos oculares.

— Tem os olhos do seu pai. — Sussurrei acariciando sua cabeça, deixei um beijo no topo da sua testa, ela soluçou e fechou seus olhinhos, acomodada em meus braços.

Coloquei ela no chão e tirei uma adaga do cinto da minha calça, minhas mãos estavam trêmulas e a dor entre minhas pernas persistia.

— V-vai ficar tudo bem, não se preocupe... e-eu vou cuidar de tudo. — Gaguejei, puxei seu cordão umbilical e o cortei com a adaga. Ela voltou a chorar, toquei seu rostinho e cantarolei algo na tentativa de acalmá-la. — Sinto muito amor, é pelo seu bem. Preciso tirar isso de você.

A segurei novamente e balancei de um lado para o outro com delicadeza, ela foi-se acalmando novamente. Deixei um beijo no topo da sua cabeça.

Inversão amaldiçoada. — Sussurrei, senti o verme que Kenjaku havia lhe implantado, percorrer seu corpinho e entrar em mim. Ela voltou a chorar, a balancei novamente pedindo silêncio com um singelo sopro entre meus dentes e minha língua. — Você vai ficar bem amor, não se preocupe.

Senti pontadas em meu corpo, espalhando-se por meus braços e acertando diretamente meu peito. Segurei a criança, me levantei, e saí cambaleando até o lado se fora. Caí de joelhos, tomei cuidado para minha filha não se machucar durante o processo. Tentei me levantar mas estava cansada, meu corpo estava fraco. Bem na minha frente havia uma maldição, um monstro com o dobro do meu tamanho, com a textura de uma gelatina gigante e meio roxa.

— Vem brincar comigo. — Ela resmungou. Puxei a adaga que usei para cortar o cordão umbilical, era a única arma que trouxe comigo. — Vem brincar comigo!

O monstro gritou e se rastejou rapidamente na minha direção, antes que pudesse nos alcançar ele se partiu ao meio com o golpe de um machado.

— Onde está a minha afilhada? — Mei Mei disse com um sorriso glorioso em seu rosto, suspirei aliviada.

— Você não precisava se dar ao trabalho. — Disse com a voz abafada pela minha falta de ar.

— Pode me agradecer mais tarde depois de dobrar os números na minha conta bancária.

— Claro. — Revirei os olhos, ela riu e passou minha mão por cima do seu ombro.

— Ela tem a cara do pai. — Apontou, a encarei.

— Você acha?

— E eu sinto muito por isso. — Brincou, segurei minha filha com firmeza.

Mei Mei não me visitou muitas vezes enquanto eu estava grávida, ela não tinha a obrigação de se preocupar... mas não deixou me sentir sozinha. Talvez pela recompensa, por respeito ao Satoru... mas não era algo que ela faria pela nossa amizade.

Foi uma das coisas que pensei, mas com o tempo acabei deixando de lado e me convencendo de que ela talvez... se importasse. Afinal, não sobraram muitas pessoas depois do incidente em Shibuya.

— Não devia fazer isso sozinha. — Sua voz veio da porta, Mei estava encostada na batente com seus braços cruzados.

— Eu estou bem. — Levantei, joguei a cabeça para trás e pressionei minhas costas com uma das mãos.

— Está parecendo um melão.

— Obrigada. Melões são saudáveis. — Resmunguei, ela entrou no quarto e pegou o martelo no chão. O usou para pregar algumas tábuas.

— Precisa de mais alguma coisa?

— Hambúrguer e batata frita seria bom, eu mataria por isso. — Resmunguei, mencionar a comida me deu água na boca. — Deixo você ser madrinha se me trouxer.

— Alguém está com fome. — Ela riu, suspirei e olhei em volta. — Eu não aguento mais comer nabos e sopa.

— Nem eu aguentaria comer nabos e sopa. — Mei Mei disse, e riu. Ela martelou mais algumas madeiras, e então levantou. — Que berço horrível.

— Não é horrível. — Repreendi, fiquei ao lado dela olhando para um berço oval de madeira escura.

— Parece uma pequena prisão pra delinquentezinha. — Brincou e deu uma risada sincera, acertei seu ombro.

— Ela não será uma delinquente! Pode parar.

— Já pensou em um nome mamãe? — Ela colocou as mãos na cintura, acariciei a barriga.

— Ainda não... e-eu não sei.

Avistei Mai lutando com algumas maldições, ela acertou uma delas com um tiro, depois acertou a outra com uma espada.

— Kaori! — Gritou, sangue escorria pelo canto do seu rosto. Mei Mei passou por mim, Mai notou a criança em meus braços e minha expressão de cansaço. — Vocês estão bem? O bebê está bem?

— Está. Ela está bem.

— Acho que não voltaremos para casa. — Mei Mei cravou seu machado no chão e sorriu.

— Aquele lugar já era, o papai está morto, aquele homem... ele estava lá.

— Kenjaku. — Nomeei, Mei Mei puxou seu telefone e digitou algo. — O que está fazendo?

— Ele está aqui, veio atrás da criança. O velho Zenin está morto. — Ela reportou, Mai e eu trocamos olhares. — Entendi, preciso de um avião. Três passageiros e um bebê.

Suspirei aliviada, olhei para o meu bebê e beijei o topo da sua cabeça. Mesmo diante de tanta confusão, ela dormia em meus braços feito um anjo. Mai limpou o rosto com o braço e se aproximou, ela olhou diretamente para a criança.

— Tem a cara dele. — Fez uma careta referindo-se ao Satoru. — Pelo menos não parece um joelho.

— Que alívio. — Eu disse, Mei Mei se aproximou guardando seu celular.

— Vamos sair daqui antes que ele nos encontre, consegui um avião. — Ela explicou nos guiando os portões de entrada. 

— Para onde?

— Shibuya.

HONEYMOON, Satoru GojoOnde histórias criam vida. Descubra agora