A Voz

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Perdida em pensamentos não demorou muito para que eu adormecesse sem tirar seus intensos olhos da minha imaginação.




Estava escuro.


--Estão dizendo que pode ser hoje.


Era possível ouvir a chuva do lado de fora.


--O que faremos?


Eu podia ouvir uma voz.


--Precisamos de um plano!


Na verdade eram duas vozes.


--Você não pode ir até lá!


Mas somente uma delas eu conseguia entender.


--Vão mata-lo!


E ela estava chorosa.


--Não posso permitir que faça isso!


Eu conseguia ouvir seus soluços.


--E se alguma coisa acontecer?


Havia amor e preocupação naquela voz.


--Isso é loucura, você-


Houve um estrondo ao longe.


--São eles?


Haviam pessoas gritando do lado de fora.


--Você não pode ir!


Os gritos só aumentavam.


--E se algo acontecer?


Além do choro, agora havia desespero ali.


--Não!


Estão o som de uma porta batendo ecoou.


--Não...


Tive vontade de chorar.


--Acalme-se minha querida...


A voz era reconfortante.


--Vai ficar tudo-


Outro estrondo, este, mais perto que o anterior.


--Não...


Outro, mais perto.


--Precisamos sair daqui.


Outro, perto de mais.


--Rápido!


Havia fumaça.


--São eles!


Muita fumaça.


--Tenho que te tirar daqui!


E estávamos ali no meio.


--Não há tempo!


Mas eu não estava sufocando.


--Você vai ficar bem!


Era como se a fumaça fizesse parte de algo em mim.


--NÃO!


Então tudo se acendeu.


--VAI DAR TUDO CERTO, QUERIDA!


Vermelho.


--VOCÊ VAI FICAR BEM!


Tudo brilhava em vermelho.


--NINGUÉM LHE FARA MAL!


Aquela voz era a única coisa constante que me fazia sentir segura.


--EU NÃO VOU PERMITIR QUE FAÇA!


Mesmo que ela gritasse, eu não tinha medo.


--ELES PODEM ATÉ TENTAR!


Era uma mulher.


--MAS EU NÃO VOU PERMITIR!


Tudo estava agitado agora, tudo se mexia.


--VAMOS POR ALI!


Ou será que era eu quem estava me mexendo?


--RÁPIDO!


Haviam muitos sons altos misturados a passos.


--NÃO!


E eles doíam.


--É UMA EMBOSCADA!


Aqueles sons doíam.


--VOLTEM!


Eu sentia algo molhar meu rosto.


--CORRAM!


Aquilo era chuva?


--ESCONDAM-SE!


Ou eram as lágrimas da mulher?


--SOCORRO!


Houve outro estrondo.


--NÃO!


Então meus ouvidos apitaram.


--AQUI!


Minha vontade de chorar aumentou.


--LEVE ELA DAQUI!


A voz parecia ter tomado distância.


--SAIAM AGORA!


E estavam ficando mais longe.


--VÃO!


E então tudo ficou em silêncio...




Levantei-me num rompante sentindo a roupa grudar ao corpo. Eu estava suando, tanto que parecia ter acabado de sair de debaixo do chuveiro, ou até mesmo de uma piscina. Passei a mão no rosto em busca de tirar um pouco do suor da região e percebi estar chorando impulsivamente, as lágrimas simplesmente brotavam e se misturavam as gotículas de suor em minha pele.


--O que?... - questionei-me. Empurrei a manta que insistia em manter sobre mim mesmo em noites quentes e icei o corpo para a beirada da cama acendendo a luz do abajur ao meu lado de modo automático. Me levantei e me olhei no espelho ao lado da minha cama, eu estava terrível, mais do que o normal, quando chegava da faculdade.


Meus cabelos grudavam-se por todos os cantos possíveis da minha pele suada e as olheiras em meus olhos inchados pelo choro eram roxas a ponto de parecem que eu havia levado socos nos dois olhos. O sonho havia sido mesmo terrível, mesmo que ele fosse composto somente por sons e cores, as sensações eram muito reais, como memórias que resolveram me assombrar.


Eu havia perdido o sono.


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