As Patricinhas

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--Eu aceito, muito obrigado! – Ele responde, com uma voz fina que não saia especificamente de sua boca, era como se estivesse na minha mente.

Congelei, e acho que meu queixo caiu na hora, o esquilo tinha respondido minha pergunta... por um minuto cogitei estar ficando louca, e um arrepio me correu a espinha, aquilo era real?

--Então... vai me dar um pedaço mesmo ou não vai? – perguntou o esquilo inclinando a cabeça para me observar, tive a impressão que ele estava até rindo da cara que fiz.

--Vo-vou sim.... – não pude deixar de gaguejar, aquilo era impossível, será que eu realmente acordei essa manhã, ou ainda estou dormindo e essa é só uma parte daquele sonho estranho que tive?

De qualquer forma, aquilo parecia muito real, e na ausência de uma faca mordo a maçã para cortá-la e dou a ele um pedaço ainda totalmente pasma com a situação.

--Eca! Você babou nele! Eu não quero isso, que nojo… – disse ao dar uns passinhos para trás.

--Ah... desculpa – “bichinho exigente, isso tá parecendo coisa de filme...” como o pedaço da maçã e corto outro da melhor maneira possível com a mão – assim tá melhor?

--Ebaa! Ai sim! Esse eu quero! Muito obrigado humana! – sua vozinha era animada ao pegar o pedaço da maçã e sair correndo para cima da árvore.

--Não há de quê! – falo um pouco mais alto já que ele já havia subido pela árvore com seu pedacinho da minha maçã, nem me dei conta de que alguém pudesse ouvir ou ver que eu estava falando com aquela pequena criatura até ouvir uma voz se aproximar.

--Oi Maganzinha! – disse Amber, com doçura fingida, enquanto era seguida por seus duas guarda costas: Scarlet e Olívia.

As três, como sempre, pareciam ter acabado de sair de um filme de patricinhas.

--Amber... – tento sorrir de volta, mas pra mim fingir não é tão simples. – Precisando de alguma coisa?

--Não, imagina... Do que eu poderia estar precisando? Você já fez a gentileza de adiantar meus trabalhos mesmo. – diz rindo e limpando o lugar ao meu lado para se sentar, com somente o pote onde estava meu lanche nos separando, perto de mais na minha opinião. – E pelo que eu vi ontem você não precisa mais da minha ajuda, né? Então podemos dizer que nossa dívida está sanada.

--Claro, como se eu fosse fazer favores a você assim, de graça.

As três riem debochadamente.

Amber Ruttson, ou somente Amber, para a minha sorte, estudou comigo desde o fundamental, onde chegamos a ser amigas, até ela conhecer Scarlet e nos afastarmos bastante. De lá pra cá as coisas só vem piorando, digamos que a grandeza lhe subiu a cabeça enquanto seu pai só aumentava o “império” que herdou de seu avô, – então ela é basicamente a herdeira filha de outro herdeiro – no colegial ambas conheceram Olívia, e se tornaram o que são hoje.

Philip Ruttson Jr. – pai de Amber, viúvo, dono das empresas Ruttson’s  e da imobiliária que leva o mesmo nome – crê que a filha está indo muito bem nos estudos e que quando chegar a hora, herdará todas as suas posses...

Sinto pena dele.

Imagina se ele descobrisse que quem faz a maioria dos trabalhos da filhinha perfeita sou eu? E cá está ela, novamente tentando conseguir o que quer de mim, afinal é pra isso que eu sirvo agora.

E é melhor que seja assim, não quero que as coisas voltem a ser como eram quando conheceram Olívia. Antes, quando eram só Amber e Scarlet, elas só me ignoravam, mas quando a terceira integrante entrou no grupo, resolveram que a vida delas seria mais divertida atormentando a nerd segueta, vulgo eu.

--Ora, claro que não é de graça, olhe para você agora, tendo o prazer da minha companhia. – comenta pegando uma mecha do meu cabelo, avaliando-a – Afinal você está sempre taão sozinha... Isso deve estar te fazendo mal.

“Como se você se importasse.”

--Do que você tá falando? – pergunto sem paciência.

--Coitadinha Am, acho que a memória dela deve estar falhando também. – Debocha Olívia.

--Pois é... – concorda Amber aos risinhos – Ora, eu quero dizer que tive a impressão de que você está tendo que falar com os animais para não ficar sozinha.

--Aquele rato de árvore nojento! – Acrescenta Scarlet.

--Da pra vocês irem aos finalmente? Gostaria de comer em paz. – balanço a maça em minha mão para enfatizar.

Amber, por sua vez, perde o sorriso fingindo que insistia em manter em seu rosto e agarra minha maçã, mordendo-a do outro lado, onde eu não havia comido ainda.

--A questão é a seguinte. Antes nosso trato era, você faz meus trabalhos, meu pai fica feliz com minhas notas nesse curso e eu te ajudo com tudo... Tudo isso. – aponta ela para mim, de cima a baixo, enquanto citava o “trato” que eu fingi aceitar só para que ela me deixasse em paz – Mas agora as coisas mudaram um pouquinho, sabe, pra falar a verdade, antes eu não tava nada a fim de te ajudar, afinal, estava na cara desde sempre que você era a fim do meu William, mas agora se você quiser, pode ficar com ele pra você.

--E eu posso saber o motivo dessa sua mudança repentina? – pergunto já suspeitando da resposta, afinal ela estava quase se jogando sobre o Mathias ontem e mesmo assim conseguiu ser totalmente esnobada.

--Seu amigo de óculos e olhos dourados é o motivo. – ela morde a maça novamente, avaliando se não morderia onde eu já mordi. – você me dá ele, e eu te dou o Will. Troca justa não acha? Até porque, eu sou muito gentil.

“Não sabia que serpentes eram gentis, que novidade. E qual é dessa oferta? O William deixou que os ‘amiguinhos’ dele zombassem de mim o quanto quisessem, até parece que eu ia continuar insistindo no sentimento que cultivei por ele depois disso. E outra, mesmo que tivesse acabado de conhecer o Mathias, não acho que ele seja do tipo que consegue aturar esse tipo de garota”

--Eu tô fora. – afirmo pegando minhas coisas e me levantando, mas Olívia entra na minha frente e me empurra novamente para a raiz.

--Recusar não é uma opção garota. Você vai fazer isso, ou eu vou tornar da sua vida um inferno. – Afirma Amber se levantando e se pondo a minha frente – Entendeu?

--Pensei que você já fizesse isso. – quando eu mal havia terminado minha frase ela agarra meu rosto o puxando pra cima, com suas unhas compridas quase furando minha pele, o que me fez reclamar de dor, aproveitando a deixa Amber enfia a maça na minha boca de forma forçada enquanto uma das garotas pegava meu óculos e o arremessa por trás da cabeça, agora eu só enxergava vultos.

--Você ainda não viu nada garota. – diz ela com o rosto próximo ao meu.

--E nem vocês! – rugi uma voz forte e familiar de trás dela, ela parecia um pouco distante dali. – Saiam de perto dela. – Pude o ouvir se aproximando.

--Ora ora, seu amiguinho chegou, que tal mostrar a ele a porca que você é? – Percebo então que Amber sai da minha frente puxando mais meu rosto enquanto alguém me empurra para frente me fazendo deslizar da raiz, estar sem meus óculos dificultava reagir, eu já havia tentado bater no braço dela para que me soltasse, mas minha visão havia começado a duplicar.

Eu estava com raiva.

Aquelas garotas sempre achavam que poderiam fazer tudo com todos, mas isso não ficaria assim para sempre. Senti-me esquentar com esse sentimento, ferver de raiva daquelas riquinhas metidas. Até que Amber grita surpresa.

--Ai! – ela solta meu rosto de repente e eu cuspo a maça que estava enfiada entre meus dentes a força – O que vez com minha mão?

Alguém então se abaixa a minha frente e coloca meu óculos em meu rosto, Mathias.

 --O que aconteceu Am? – ouço Olívia perguntar-lhe

--Ela queimou minha mão!

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