O Reencontro

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Eu havia perdido o sono.




Dourado, essa era a cor a qual meu quarto era pintado todas as manhãs conforme o Sol tomava seu lugar ao céu, mas dessa vez pela falta de sono pude admira-lo tingindo pouco a pouco cada um de meus pertences que antes estavam tingidos pela penumbra da noite, por um instante me peguei imaginando que os olhos do esbarrador perfumado pudessem fazer o mesmo.


Depois de muito observar resolvi já estar na hora de começar a me arrumar para a faculdade, e tão automaticamente como sempre comecei minha rotina matinal de tomar banho, escovar os dentes, me vestir, tomar café, escovar os dentes - de novo -, pegar minhas coisas, e seguir à pé para a faculdade.


Mas hoje, por algum motivo, antes que eu pudesse me despedir de meus pais ao sair pela porta da frente, senti a falta de algo.


"O colar dele!"


Eu precisava devolvê-lo, e se por algum acaso eu esbarrasse com ele por aí, como aconteceu na festa, poderia faze-lo. Correndo novamente até meu quarto, penso que seria melhor o colocar, afinal eu era desastrada demais e se o guardasse em algum dos bolsos da minha mochila poderia facilmente perdê-lo e não o encontrar mais.


Chegando ao meu quarto o colar estava onde havia o deixado na noite anterior para dormir, em cima do criado mudo, apressada para chegar cedo na faculdade como de costume pego-o e o coloco enquanto andava em direção a porta de casa e me despedia dos meus pais para seguir meu caminho.




O dia estava bom, bom até de mais na verdade, eu podia ouvir pássaros cantando e o Sol estava bem fraco pela manhã, com algumas nuvens no céu deixando seu calor menos irradiante. Passei por alguns cachorros na rua e como de costume desejei-lhes um bom dia com um pequeno afago atrás das orelhas, para em seguida continuar meu caminho com eles me seguindo por alguns quarteirões, como meus fiéis cães de guarda.


Acho que aqueles breves momentos olhando em volta e admirando o resto de natureza que ainda permanecia na cidade entravam na lista das minhas coisas favoritas do dia.


Quando alcancei o quarteirão da 'facul sabia que meus "cãopanheiros" haviam ficado sentadinhos na outra esquina então me virei e lhes dei um tchauzinho tímido enquanto caminhava, o que me fez esbarrar em alguém, ou em um muro, afinal quando olhei estava de cara com as costas de uma jaqueta de couro preta, que quase tapou o céu quando olhei para seus ombros, ele estava tenso, talvez por alguém ter trombado nele logo pela manhã, mas por um instante tive a impressão de que conhecia aquela pessoa.


"Perfume amadeirado... O ESBARRADOR!"


-- Nossa, me desculpe esbar- MOÇO! - Corrijo quando quase o chamo pelo apelido em minha mente.


Isso faz com que ele relaxasse os ombros, virasse para mim, e por instinto, por um breve segundo procurasse por alguém por cima da minha cabeça, para depois me achar um pouquinho mais a baixo de seu campo de visão.


--Ah, é você baixinha, - "Outra vez isso?" - pensei que um cachorro tivesse pulado nas minhas costas. - Seu sorriso ao dizer isso ela malicioso, como se insinuasse alguma coisa.


--O que quer dizer com isso? E que cachorro enorme é esse que alcança o meio das suas costas? Ele teria de ter a minha altura!


-- Não insinuei nada... E por sinal, meu cachorro fazia isso... E tem razão ele é bem grande, por isso teve de ficar na antiga casa... - seu sorriso aumentou enquanto falava, revelando novamente os caninos anormalmente pontudos que tinham me encantado na noite anterior. - Ah, e que coincidência boa você esbarrar em mim dessa vez, estava precisando de uma guia. Você faz que curso aqui? Poderia me mostrar onde ficam algumas salas? Entrei recentemente nessa parada, ainda tô meio perdido.


--Ah... Claro, mas antes eu preciso te devolver uma coisa! - "quase me esqueci" digo puxando o colar que estava por dentro da minha camiseta.


Imediatamente ele leva a mão ao peito, como se não tivesse notado a ausência da joia em seu pescoço.


--Nossa, eu tinha me esquecido que estava com você.


--É, você me deu ontem, antes da "aposta". Eu só notei que estava comigo quando cheguei em casa, me desculpe. - estava prestes a tirar o colar quando ele colocou sua mão sobre a minha para me impedir e pude sentir uma onda de choque percorrendo da minha mão até meu braço, o que me fez assustar levemente.


--Deveria ficar com ele... É só uma joia boba, não significa nada para mim... E fica bem em você.


E assim eu o fiz, voltando o medalhão para dentro da camiseta por medo de perdê-lo.


Depois disso começamos a andar pelo terreno da faculdade com ele me chamando de guia e me perguntando coisas que nem eu sabia responder, afinal só fazia um ano que estava cursando administração ali, e pelo que descobri estávamos no mesmo período, só que de cursos diferentes, Mathias, que descobri ser seu nome, cursava engenharia, o que eu não achava muito a cara dele, mas não deixei que esse comentário escapasse, na verdade tive que me segurar muito para que nenhum comentário escapasse, afinal era muito fácil conversar com ele e isso poderia me colocar em situações bem constrangedoras se eu desse com a língua nos dentes.


As horas mais difíceis de me concentrar eram quando ele ria de alguma coisa e seus caninos brilhavam em sua boca, isso nunca tinha acontecido comigo, ficar tão distraída com o sorriso de alguém não é muito a minha cara.


Então tudo acabou, o sinal da primeira aula tocou e nossos caminhos se separaram, mas no fundo gostaria de ficar conversando mais um pouco com ele.


Tive algumas aulas até finalmente meu horário vago dar as caras, fazendo-me ir de imediato ao lugar mais legal de toda a faculdade, para de baixo da maior árvore que eu já tinha visto, ela ficava bem no meio do jardim onde os alunos passavam a maior parte de seus horários livres, sentados nos bancos ou descansando na grama, eu por exemplo gostava de me sentar em uma das raízes daquela árvore que se parecia com um banco.


Aquele era "o meu lugar". Se quisessem me encontrar eu sempre estaria ali, fazendo anotações, lendo, ouvindo música ou só descansando.


Foi então que em meio a um dos meus vários momentos de distração enquanto comia a maçã que havia trazido junto a minha comida, senti alguma coisa se aproximar de mim.


Um esquilo.


Por um momento até tive a impressão de que ele me disse oi. Era sempre assim com os animais, então por impulso o comprimento de volta.


--Oi amiguinho... quer um pedaço da minha maçã? - digo, observando o olhar questionador do pequeno roedor para mim, era como se ele não esperasse aquela oferta.


--Eu aceito, muito obrigado!

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