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- então, quem eu tenho de matar para conseguir exterminar aquelas saias?

No terceiro dia completo de sua ausência, ouço sua voz pela primeira vez.

E, a essa altura de abstinência, não consigo conter o descompasso do coração que, em suplico, esperneia: caralho, que falta você me fez. A sensação é de tamanha magnitude que tenho de apertar o celular na mão esquerda, juntado à orelha, a fim de tentar domar a ansiedade borbulhante no estômago, embora o visor do aparelho tenha tentado avisar, em letras garrafais, sobre o surgimento dessa sensação quando pintou seu nome pela tela em chamada recebida. Ali, os apontamentos nada levianos de Neko encontram residência em minha cabeça novamente. Aceite, Yoko.

- p'wan, talvez - entre pensamentos desviantes, resolvo acolher suas brincadeiras.

É o que fazíamos.

Faye brinca, todas as vezes. Nas entrelinhas de suas expressões, ainda consegue camuflar os sentimentos vazantes através de pequenos jogos, fazendo o receptor, daqui, questionar sua real existência. Brinca com o ciúmes excessivo, os toques inesperados, as ligações embebedadas por drinks caros e declarações de sentimentos inseguros. Como quando às 4:59 da madrugada de uma quarta-feira, na época em que gravamos a segunda temporada de blank, conectou chamada perguntando a razão de eu ser tão inevitável. A voz arrastada encharcada de álcool.

- ou alguém da equipe dos figurinos - acrescento.

- certo...vou encontrá-los - do outro lado da linha, diz. A voz é serena, percebo. A linha, limpa. Não há interferência de barulhos rotineiros da cidade, então acredito ainda estar submergida naquele mesmo estado de harém. Posso estar enganada, talvez. - um por um.

- terá de me encontrar também então, acredito - brinco e, no clamor das sensações, pergunto quando nos veríamos novamente. Uma simples ligação de voz não faria justiça a vê-la, ao vivo, falar coisas às vezes desconexas ou totalmente bestas dentro de determinado contexto, em tentativa quase sempre eficiente de fracionar nosso nervosismo. - eu aprovei todas as roupas

Meus lábios esticam em um sorriso de intenções questionáveis.

Primeiro, ela balbucia algo imperceptível. Após, diz - certo, você será a primeira, então - apostando em um ar de graça. Sei que, entre palavras, sorri daquela forma arrastada, porque é inquestionável como essa interação de segundos tenha aquecido todo meu corpo, como se Bangkok, instantaneamente, fizesse 53 graus naquele final de tarde.

Por favor, me encontre.

Faye, me encontre.

A linha cresce silenciosa, fazendo-me cultivar o pensamento de, não sei, interferir com algum assunto aleatório.

Engulo a seco.

A dinâmica do nosso relacionamento mudou, é perceptível. Já falamos por chamada de voz antes, diversas vezes. Trocamos mensagens diariamente, fazemos live e chamadas de vídeo, com ou sem a interação de fãs. No entanto, ainda que existisse a frequência de costume dentro dessa troca específica, não posso deixar de diferenciar esse acontecimento, agora, dos demais.

Na conclusão de cenários pensados, resolvo evocar sua presença. Contudo, antes que pudesse, ela corta minhas linhas de compreensão ao dizer

- você estava linda

e, assim, certifico nossa relação estar sob profunda instabilidade, tão instável como uma pena na correnteza, porque meu peito aperta em tal intensidade que, por três segundos cronometrados, não posso respirar. Congelo no vazio dessa sua colocação em tantas oportunidades já feita. Já feita, mas, agora, meu peito permanece constringido.

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