A fenda

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Em poucos dias, o hotel estava de volta, renovado, maior e melhor. Foi uma semana de esforço com toda a equipe para reconstruir um novo lugar para o sonho de Charlie, e no final, Alastor poderia dizer que gostou do resultado. A arquitetura era uma mistura de idealizações de todos do círculo próximo da princesa, com uma ala maior para Nifty, um bar maior para Husk, um quarto mais confortável para Angel, uma torre para o rei Lúcifer e outra do lado contrário - o mais longe possível - para Alastor.

Nesse sentido, tudo ia bem (bem mascarado). Charlie parecia feliz pelos novos ganhos, apesar do luto doloroso que estava enfrentando pela morte de Sir. Pentious. Em razão disso, era fácil para Alastor perceber a máscara que a princesa colocava no rosto para seguir em frente, ainda que estivesse devastada devido a perda. O cervo entendia a garota, ele mesmo colocara sua própria máscara na última semana, um sorriso e postura confiantes para esconder a dor do rasgo em seu peito. A diferença entre eles se dava no fato de Alastor ser um bom mentiroso, ao passo que Charlie nem tanto.

Bom, era o que o Demônio do Rádio pensava.

Os olhos do pecador se abriram em agonia assim que ele sentiu pontadas de ardência no centro do peito, tirando o ar de seus pulmões. As orelhas felpudas travaram-se atrás da cabeça de Alastor por instinto, os músculos rígidos acompanharam o corpo encolhido enquanto ele se contorcia de dor. Uma ótima maneira de acordar, beirando a louca por uma ferida angelical que amanhecia cada dia pior, encontrando prazer em torturar a alma demoníaca com forças divinas que Alastor jamais imaginou que pudessem doer tanto.

O rapaz encarou as faixas brancas enroladas no peitoral, já manchadas de sangue e cheirando a queimado. Adão conseguiu criar uma ferida que, além de não fechar, queimava a carne de dentro para fora, e isso porque o imbecil não tinha sequer se esforçado para lançar uma rajada realmente mortal. Foi uma luta vergonhosa, onde o veado achou que poderia zombar da criatura celestial, só para ser atirado para longe como um inseto indesejado.

O estômago de Alastor se embrulhou. A sensação de enjoo que as memórias lhe causaram foi o que o tirou da cama e o levou diretamente para o banheiro da suite. Já era quase um ritual, acordar com dor, trocar as bandagens e fingir pleno vigor durante o dia no hotel, para ao anoitecer voltar aos seus aposentos quase sem conseguir respirar, mergulhando no sofrimento até o dia seguinte, com a observação de que: a cada dia que passava, a ferida evoluia e passava a causar o dobro de dor que no dia anterior.

Alastor não sabia dizer até onde ele aguentava ir, mas era um homem orgulhoso. A única pessoa a quem confiou seu segredo foi Rosie, sua amiga mais querida, e ele gostaria que continuasse assim. Apesar da líder canibal não ter a menor ideia do que fazer, era um alívio dividir sua ruína com alguém em quem confiasse. Exceto que, infelizmente, existia mais alguém que parecia ter conhecimento da situação do ruivo.

Na manhã do dia seguinte à batalha, Lúcifer já parecia ter assimilado que algo estava diferente no veado. O Demônio do Rádio o pegara no flagra encarando-o com olhos curiosos e confusos por diversas vezes desde então, como se visse algo além do que os outros. No início, Alastor achou que poderia apenas ser outra das peculiaridades irritantes do anjo caído, todavia, não demorou a desenvolver uma teoria: muito provavelmente Lúcifer conseguia sentir a aura celestial vinda da ferida, e cedo ou tarde somaria dois mais dois e perceberia que Adão havia machucado-o durante a luta.

Felizmente, o loiro não se intrometeu na rotina de Alastor e ele preferiu assim.

Até aquele dia.

Com muito esforço, o cervo trocou as bandagens e vestiu roupas limpas com ajuda de sua sombra, se preparando para uma visita na cidade Canibal. A dor lancinante estava muito intensa e Alastor não poderia trabalhar para o Hotel no estado em que estava, quase não dava mais para caminhar sem disfarçar o incômodo; sua máscara estava ruindo. O pecador ainda não cederia a Charlie e a nenhum dos patéticos hóspedes para pedir ajuda, ele só confiava fielmente em Rosie e se mantinha determinado a tentar encontrar uma solução com ela, ou pelo menos um apoio que fosse. Estava impossível suportar aquele fardo sozinho.

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