Adão e Ivo- Igor, sei lá! - Beomkai

Eva e o fruto.

Acordei extremamente desconfortável, na minha cabeça passavam uns flashbacks de guerra (lê-se pesadelo) que só me deixavam mais confuso.
No café da manhã tomei um chá gelado e comi banana, coisa que ativou o gatilho do pesadelo esquecido. Me troquei pensando que a qualquer momento alguém indesejado me veria nu, e escovei os dentes jurando que ainda não tinha vestido minha roupa padrão (moletom cinza com calça preta de tecido felpudo).

Quando sentei no sofá pra ligar a TV, me deparei com aqueles programas em que mostram a vida dos animais na floresta, e bastou eu ver uma macieira que o pesadelo foi totalmente desbloqueado.

Eu estava pelado de baixo de uma árvore de pitaya (nem sei se isso dá em árvore) agarrando meus joelhos contra meu tronco, tentando evitar que alguém que gritava comigo me visse daquela forma, esse alguém, ou esses alguens, eram meus pais.

Eles esbravejavam enquanto seguravam um cesto com bananas, e minha mãe até jogou uma em mim, no meio disso eu consegui decifrar uma frase vinda deles.

"Eu espero que se engasgue e morra com isso."

Nem preciso dizer que fiquei a manhã toda na faculdade com a cabeça nessa frase tenebrosa, só falei pra convencer meus amigos e namorado de que só estava com sono.
Voltei pra casa com o Sun, já que os outros meninos iriam pro trabalho, e depois de um certo período de silêncio, Kim decide iniciar uma conversa:

- Ontem você e o Gyu dormiram muito cedo né Kai? Aconteceu alguma coisa? Tô perguntando por quê vocês dois geralmente ficam até tarde estudando...

- Ah Sun... acho que sentimos de vez o impacto das coisas ruins que a gente passou depois que saímos da nossa cidade pra cá...

- Você disse que lá era pacato, não imaginei que tinha acontecido algo traumático assim... - Kim muda o olhar para os lados e volta pra mim. - Tem a ver com os pais dele?

- Meio que sim, mas é sobre minha família também... só o Beom não sabe...

Kim fez aquele sorriso forçado pra baixo seguido do típico barulho do "s", como se a ficha tivesse caído.

- Eita, então os seus pais também são homofóbicos, cara?

- Sim, mas eles sempre respeitaram minha amizade com o Gyu, pelo menos na frente dele...

- Sobrava pra você ouvir merda? Caralho, deve ter dado uma briga...

- Na real só ficava um clima tenso terrível em casa, a todo momento eles me perguntavam se eu tinha arranjado namorada, se o Beom tava me deixando desconfortável, até diziam pra eu não me deixar influenciar e blá-blá-blá... - massageei os olhos com o dedão e o indicador. - Eu comecei a ficar pilhado com o jeito que falo, gesticulo e com os carinhos que eu e o Beomgyu trocávamos mesmo que eles fossem sem intenção alguma...

- Foi aí que se afastou dele?

Respirei fundo, aliviado por estar contando isso pela primeira vez.

- Foi... mas tenho medo de falar isso porque ele pode se sentir mal por ter teoricamente causado um incômodo fodido numa relação familiar que era bem boa até... mas sei lá, sinto que se eu não tivesse conhecido o Beom, eu teria passado um aperto parecido com qualquer outro cara, o que tá sendo um incômodo mesmo é esse preconceito "respeitoso" dos meus pais, sabe? - Minha garganta começou a formar um nó, mas respirei fundo de novo e engoli o choro. - Me senti traído por eles, pensei que esses dois respeitariam se descobrissem agora que realmente gosto do Beomgyu... Mas não conta isso pra ele, quero que ele pense que não podemos contar pros meus pais pra não ter risco dos pais dele saberem...

- De boa, conto não... mas, seus pais se conversam e o senhor e senhora Huening não sabem o que seu namorado passava em casa?

- Beom não se sente confortável em contar pra eles...

Sun mexeu positivamente a cabeça.

- Mas, ele se sente confortável em contar isso pra gente né?

- Claro, vocês são especiais pro Beomgyu também.

Um barulho de chaves surgiu e a porta do apartamento foi aberta. Jin e Beom entraram, já que os dois se encontram no ponto de ônibus depois dos seus trabalhos, e ambos estavam radiantes.

De repente, vimos uma moça com eles do lado de fora.

- Gente, venham aqui falar com a Jiwoo! Ela é a minha nova colega de trabalho, foi contratada hoje! - Era o meu namorado.

Eu e Kim levantamos, e fomos cumprimentá-la. Ela era linda, tinha a pele dourada e parecia muito boa com maquiagem, a abracei e dei meus parabéns pelo emprego novo.

- Obrigada... - Ela parecia bem tímida, e logo o silêncio estranho apareceu.

- Ah, eu sou o Kai, e ele é o Sun!

- Eita, é mesmo, esquecemos de nos apresentar! Prazer em conhecer.

- O prazer é todo meu! Inclusive... você é o namorado do Beomgyu né? - Ela perguntou olhando pra mim.

O Beom me encarou gentilmente esperando a resposta.

- Sou sim!

- Ele falou muito de você, do Jin e do Sun no horário do almoço!

- E eu disse que chamaria ela pra nossa próxima festa ou passeio, tá? - Jin disse enquanto segurava e balançava a mão de Jiwoo, como se fossem amigos de longa data.

- Ótimo! Assim a gente pode se conhecer, e quanto mais gente no grupo, melhor! - Sun sorriu e todo mundo deu aquela comemoradinha tímida.

Nos despedimos e os dois colegas de quarto que faltavam entraram.

Eu ainda preciso desabafar com o Sun, mas não sei se consigo fazer isso sem ninguém mais ouvir. Não quero uma solução pros meus problemas, já que não tem muito o que fazer com eles, só queria tirar o peso dos meus ombros e me sentir acolhido.

"Então por quê não desabafa com seu namorado?" Porque ele já tem preocupações demais dentro da cabecinha dele, assim vou sobrecarregar o coitado com tanto problema de família!

- E aí amor, tudo bem? - O dono dos meus pensamentos recentes pergunta.

- Tô bem, só de dormir com você ontem fiquei o dia todo tranquilo! - Menti descaradamente.

- Poxa que bom! Eu também querido, só vou limpar a sola do meu sapato porque o tive que dar uma passada no salão do pet shop e acabou grudando pelos nele.

- E você entrou com eles assim é?! - Sun reclama e mira os pés do Beom, que estavam só de meia. - Ué, quando você tirou eles?

- Foi quando o Jin tava abrindo porta! - Ele deu aquela risada de esfrega vidro e foi pra varandinha onde ficava a lavanderia (que inclusive, só cabia uma pessoa e olhe lá).

Cheguei no Kim e pedi pra ficarmos a sós pra continuar a conversa, ele aceitou e entramos no nosso quarto.

- Continuando o nosso assunto... A tensão em casa tava tão terrível que daria pra gente ser esmagado no chão. E não posso contar pro Beom porque eu só queria que ele se sentisse seguro lá em casa. - Dei uma pausa, e durante ela, pude ouvir murmúrios do Beomgyu extremamente feliz por ter feito amizades novas. - Eu me sinto a Eva quando comeu o fruto do bem e do mal primeiro, sentindo aos poucos toda a maldade do mundo, e principalmente a vergonha por se sentir nua e consequentemente vulnerável nesse planeta gigante.

- Caralho, isso foi pesado... nem consigo imaginar a sua dor. Mas, você planeja voltar pra lá então?

- Não sei... eu realmente não sei...

- Entendo, você deve estar confuso. Mas assim cara, eu queria dizer que vocês dois vão vencer muito na vida ainda tá? Certeza que um dia seus pais, Hueningkai, vão aceitar seu namoro, eles não parecem ser totalmente ruins... talvez estejam só confusos com essa coisa de ter um filho bissexual, com o tempo eles entendem...

- Valeu Sun, você é foda.

- Que nada, tamo junto. Vem cá, me dá um abraço!