Demons

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- Posso me sentar aqui?

Laura ouviu a voz que ela conhecia bem, atrás de si. Não a olhou, continuou fitando o rio.

- Estamos em um país livre - respondeu rispidamente.

Jade se sentou ao seu lado, tirando do bolso o beck já bolado e um isqueiro. Ascendeu.

- Você tá bem? - Esticou o beck.

- Sim - Pegou, tragou, soltou a fumaça para cima. Silêncio absoluto entre elas. Ambas olhando para as águas. Um mar de vozes dentro de Jade. Um mar de vozes querendo falar. E dentro de Laura, um mergulho profundo.

- Eu fiz alguma coisa de errado? - Jade disse, olhando para ela, que continuou sem se mover, sem lhe dar um olhar. Laura suspirou:

- Você não fez nada de errado, Jade. - Soltou fumaça mais uma vez.

- Eu fiquei confusa, porque das últimas vezes em que nós nos vimos, foi... tão diferente, e... de repente você parou de falar comigo! Eu não estou te cobrando nada, por favor, não me entenda assim! - pegou o beck - Mas eu fiquei com a sensação de que... pelo menos uma amizade... que... não seria tão estranho te encontrar assim depois e ficar... nesse clima.

Laura achou engraçado o jeito que ela falou, o que falou. Achou fofo, espontâneo, mas não quis demonstrar. Gostou de saber que ela se importava com o que estava acontecendo entre elas, mas não queria ceder. Jade percebeu que ela não iria dar nenhuma resposta. Deu um suspiro e jogou o corpo para trás, deitando-se. Levou novamente o beck a boca.
Bom, pelo menos tinha falado o que estava engasgado.

Demons, do Imagine começou a tocar baixinho ao fundo.

Ela levou a mão livre ao peito, fechando os olhos:

- Eu amo essa música!

Coincidência, Laura também gostava muito daquele som. Deitou-se ao lado de Jade, a olhando pela primeira vez desde que a garota havia chegado ali. Ela estava ainda com os olhos fechados, o beck em uma mão, e cantava baixinho. Laura sorriu.

- Tu não tem cara de quem gosta desse tipo de som.

Jade abriu os olhos, a vendo ali, deitada a seu lado.

- E tenho cara de que escuta oque?

- Natiruts, cidade negra, talvez um... Bob Marley?

- Me estereotipando mais uma vez, né? - Laura riu. Jade passou novamente o beck.

- Tu já foi no show deles?

- Uma vez, e foi perfeito! Memorável, eu diria.

- Posso imaginar, o Dan, ele canta com a alma e as letras são incríveis.


I wanna hide the truth
Eu quero esconder a verdade
I wanna shelter you
                           Eu quero proteger você
                     But with the beast inside
                     Mas com a fera dentro de mim
                There's nowhere we can hide
                   Não há onde nos escondermos...

Era o que Laura queria dizer. Estava tudo na letra. Silêncio novamente entre as duas. Ambas olhavam para cima. As mãos de Jade estavam sobre seu peito e as de Laura, na lateral de seu corpo, batucando o chão com os dedos.

- Você não fez nada de errado, Jade. Eu é que estou passando por um momento difícil. - Laura soltou. Jade ao ouvir, sentiu que não era momento para se aprofundar. E então, ela sentiu o toque quente da mão de Jade sobre a sua, repentinamente.

- As coisas vão se ajeitar, e vai ficar tudo bem. - Ela disse.

Laura sentiu certo conforto naquelas palavras, e no fato de Jade não ter insistido para saber o que estava rolando de fato. Ainda não se sentia preparada para falar.

- Posso pedir uma coisa? - Jade perguntou, ainda com a mão sobre a dela.

- Claro.

Agora ambas se olhavam:

- Será que quando a gente se encontrar por ai, nessas ruas da vida, você poderia não me tratar dessa maneira? sei lá. Eu gostaria de pelo menos poder cumprimentar você e não sentir que estou cometendo um crime - riu. - Queria que as coisas fossem como antes, como aquela vez no bar da Renata, quando estávamos nos conhecendo e estava tudo tão... leve.

- Você quer mesmo ser minha amiga né?

- E não é só isso que você pode me dar agora?

Laura riu.

- Não me provoca. - Os olhares se namoraram por alguns longos segundos, sem dizer nada. Apenas existindo, sentindo aquele momento, tão próximas, a brisa fresca do vento, os cheiros. Elas, ali.

Jade mordeu o lábio e voltou o olhar para o céu escuro e estrelado acima delas, tentando se reestruturar daquela sensação que Laura causava nela, aquele arrepio, aquele desejo que ela não sabia de onde vinha, mas sabia que não ia rolar. Ainda tinha dúvidas, mas, naquela noite, preferiu deixar o destino guiar as coisas, sem presa. Laura continuou:

- Mas respondendo a sua pergunta, sim. Podemos ser amigas, amigas mesmo, se tu quiser.

Jade sorriu.

- Por mim, tudo bem então.

- Amiga!

A voz de Mau ecoou entre elas, as fazendo levantar o olhar para ele e Lari, agora em pé atrás de suas cabeças.

- Estamos indo, tu vem?

Ela olhou pra Laura brevemente, antes de responder.

- Vou sim.

Sentou-se ajeitando-se. Laura também se sentou.

- Vocês estão indo pra casa? porque eu tô de carro, posso dar uma carona se quiserem.

- Ah a gente quer sim! - Lari respondeu no impulso, arrancando uma leve risada de todos.

- Então vamos.

~~~

O carro estacionou na porta do prédio, onde Mau e Lari se despediram e desceram antes. Jade ainda ficou no carro. No som algo tocava bem baixinho. A rua vazia diante delas.

- Bom, muito obrigada pela carona!

- Não precisa agradecer, é meu caminho.

- A gente se vê por ai então...

Soou mais como uma pergunta que a alma de Jade implorava para que a resposta fosse um sim, do que uma afirmação.

- A gente se vê por ai então. - Laura disse.

Jade aproximou-se, dando um beijo em seu rosto. Laura podia sentir seu cheiro, cheiro de sua pele, seu cabelo, da fumaça em sua roupa, tudo tão harmônico, tudo tão combinado com ela. A viu sair do carro sem olhar para trás e abrir o portão de ferro bege, fazendo barulho e entrar. Não conseguiu arrancar com o carro logo de cara, só saiu após ver a luz da sacada do segundo andar se ascender. Jade estava em seu quarto.

Jade estava.

Uma sensação vazia e estranha tomava conta de si. Sentia um aperto no coração. Como podia? se até outro dia não tinha um pingo de interesse em ver onde tudo ia dar.

Se até outro dia aquilo era só algo casual, que ela mal sabia se gostaria de experimentar.

Mas hoje, especificamente naquela noite, ela já tinha todas as respostas de que precisava.

Caminhos - 1 temporada.Onde histórias criam vida. Descubra agora