03 • 🥀

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Um lago com águas cristalinas se estendia bem longe enquanto eu seguia o felino pela ponte extensa que o atravessava. A floresta estava mais aberta e por algum motivo as cores agora estavam mais vívidas, era difícil explicar com palavras tudo o que eu estava vendo nesse momento.

— Douradinho, pra onde estamos indo? - pergunto acelerando o passo conforme o gato fazia. — Acho que nunca vim aqui.

Não, na verdade acho que esse lugar sequer existia. Nunca vi águas tão transparentes como aquela e com certeza notaríamos uma grande e colorida ponte passando pelo que agora acho que seja um rio, já que parecia ainda maior do que antes. 

Será que eu deveria voltar? Ou deveria continuar?

Tento fazer uma lista de prós e contras, mas nem isso consigo decidir. É incrivelmente horrível ter tanta indecisão num momento como esse que poderia afetar de algum modo em minha vida.

Mas mesmo assim, não consigo sentir medo.

Na verdade, meus pés não querem parar de andar. Eles parecem querer me levar até o outro lado dessa ponte, meus olhos parecem querer ver o que poderia encontrar ao final e eu vagava observando as inúmeras borboletas que voavam por todo lugar.

Era um lugar mágico, como se tivesse saído dos meus próprios sonhos e vindo diretamente para a realidade.

Quando penso não poder me surpreender mais, algumas formas se formam diante do horizonte e cada vez em que estávamos mais perto, pude notar que eram casas. Elas tinham o design antigo coreano com muros baixos, achei que fôssemos adentrar ao vilarejo — pelo menos eu imaginava ser um —, mas pela primeira vez Douradinho muda de rota sem nem passar pela estrada da cidade.

Outro miado longo quando no mesmo instante ele começa a correr e tento acompanhar, mas era difícil pois os gatos correm muito rápido. Ainda assim, consigo vê-lo de longe sem perder de vista e finalmente paro puxando o fôlego quando o felino para de frente a uma enorme casa.

— É sua casa? - pergunto ainda ofegante. — Seu dono tá aí?

O gatinho sobe os quatro degraus e se estica na frente da porta arranhando a mesma sem parar. Rio indo até ele, que me encara sem parar de passar as unhas na madeira.

— Você deve ter ficado preso pra fora.

Seguro a maçaneta já esperando que o local estivesse trancado, mas incrivelmente a porta se abre revelando um grande cômodo que ainda não era possível de ver por causa da escuridão.

Miaaaaaaaau.

Ele cantarola como se estivesse agradecendo e passa entrando na casa.

— De nada - respondo rindo comigo mesma.

Um barulho do lado de dentro desperta minha curiosidade e observando pela fresta, encontro-o afiando suas garras numa poltrona que parecia ser extremamente cara. Entro rapidamente na sala de estar falando desesperada:

— Douradinho, não pode arranhar! Vai estragar tudo!

Afasto-o garantindo que não se machucasse e ele pula na mesma poltrona, se deitando como se fosse da realeza. Não sei se era coisa da minha cabeça, mas ele parecia ter me mandado um olhar mortal quando o tirei.

Fico meio desconfortável por estar na casa de um desconhecido, me sento no sofá sem saber o que fazer e para onde ir, nunca tinha estado nesse lugar antes. Ah, Eunji, por que seguiu o gato? Por que se intromete em assuntos que não são seus? Por que não usou sua indecisão para ter ficado lá no altar parada como uma estátua?

— Acho que tô com problemas, Douradinho - digo com a voz baixa, mas por conta do silêncio ela parecia ter saído bem mais alta do que deveria. — Tenho que voltar pra casa, por que me trouxe aqui?

Era estúpido o modo como eu esperava que um gato pudesse me responder, mas o que mais eu poderia fazer? Suspiro agora fitando a casa, uma grande escada estava bem no meio de frente a entrada e o que eu imaginava ser a sala de estar, deve ser na verdade, uma área de descanso. Aqui tinha muitos quadros, mas nenhum continha fotos de pessoas, eram apenas paisagens e objetos normais.

Algumas portas estavam no meu alcance de visão, mas pela primeira vez decidi rapidamente permanecer no mesmo lugar em que estava. Algo aqui parecia me fazer tomar decisões certeiras — e isso é, não me meter em confusões —, tenho vinte e dois anos e mesmo assim me sinto uma criança aqui.

Uma criança com medo de ficar sozinha e com medo de que algum monstro pudesse entrar a qualquer momento. Eu sei que não deveria estar em um local desconhecido e ainda por cima tão vulnerável, porém eu ainda quero acreditar que aqui vivem pessoas boas que podem me ajudar a voltar para minha casa.

Sim, eu esperava um milagre já que é a ela que eu recorria sempre que me via numa parede sem saída. E na esperança em que me agarrava eu pedia com todo o meu ser para que eu pudesse estar junto do meu pai logo, em nossa pequena — mas aconchegante — casa. Ele me faria um chá e jogaria Go comigo, eu ganharia como sempre pois ele sempre me deixou vencer; nós iríamos para o jardim e ficaríamos um ao lado do outro com um cobertor bem quentinho enquanto ele conta mais uma das mil histórias para mim.

Conforme fui crescendo comecei a pensar que toda vez que o destino tirava algo importante para mim, ele me dava coisas melhores em dose dupla para suprir o que eu tinha perdido. Meu pai sempre me encheu de amor e carinho, sempre fez questão que eu soubesse cada detalhe da sua vida com a minha mãe. Apesar de sempre ter feito o possível e o impossível para que eu não me sentisse sozinha, não dava para fingir como ela me fazia falta.

Como posso desejar tanto alguém, como posso sentir tanta falta e como posso amar tanto uma pessoa que nem sequer cheguei a conhecer? A vida é estranha, esse vazio em meu coração nunca poderá ser preenchido por ninguém, é como se eu tivesse perdido a última peça do quebra-cabeça e ele nunca pudesse ser completado.

— Você tem alguém que sente saudade, Douradinho? - pergunto ao gato como se ele fosse me responder enquanto forço um sorriso. — Talvez sinta falta da sua mãe gata… ou talvez de um irmãozinho que tenha sido separado de você quando filhote. 

O felino que antes parecia estar dormindo abre bem os olhos e me fita intensamente, isso pelo menos faz-me sentir ser ouvida e ajuda a diminuir minha ansiedade.

— Mas acho que aqui você vive bem, não é? Essa casa é bonita, parece ser quentinha no inverno e geladinha no calor… - brinco com meus dedos ainda com Douradinho me ouvindo atentamente. — Ainda assim, não é como se isso fosse o suficiente pra encher aquilo que tá vazio em você, não é?

Preguiçosamente ele se levanta ao espreguiçar-se e volta a sentar depois de dar duas voltinhas e amassar o tecido da poltrona.

— Eu espero que você tenha amor Douradinho, mais amor do que vazio dentro de você.

Sorrio deixando de lado meus pensamentos e rio ao escutar mais uma vez seu longo e fofo miado. No escuro seus olhos ficavam ainda mais amarelos e seu pêlo laranja era tão brilhante e lindo que chegava a dar inveja até em mim, mesmo eu sendo uma pessoa.

Num movimento rápido as orelhas de Douradinho se mexem e ele estica o pescoço ao virar a cabeça na direção da entrada da casa, um barulho de passos ecoa do lado de fora e meu coração acelera pedindo inúmeras vezes que fosse alguém bom.

Me levanto no momento em que a maçaneta gira e a porta se abre, revelando um homem que me surpreendeu assim que coloquei meus olhos nele. 

E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele fala de maneira ríspida:

— Que merda tá acontecendo aqui?!

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🩷 Até o próximo capítulo 🩷

Perfume | Kim Seungmin |Onde histórias criam vida. Descubra agora