Capítulo 2 - Luna

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Sou uma pessoa privilegiada. Sempre vivi cheia de regalias e vantagens que facilitaram minha vida em todos momentos. Em meu mundinho cor-de-rosa, entre roupas de grife e escolas caras, levei alguns anos para enxergar meus privilégios e entender as estradas cheias de dificuldades que a maioria das pessoas enfrentam diariamente. Demorou, mas hoje consigo ver a lógica da injustiça econômica e sei que seus reflexos são os causadores da desigualdade social e tantos outros abismos que permeiam a sociedade.

Nasci em uma renomada família de advogados, promotores, procuradores e juízes, todos incrivelmente conservadores e chatos. Consegue imaginar o quão tediosas são as conversas na ceia de Natal? Se não fosse pela minha prima Amanda, a única pessoa sensata da família, provavelmente eu já teria perdido meu réu primário.

Assim como minha família, também segui a carreira jurídica, mas, ao contrário deles, tento usar minha influência e formação para transformar o mundo em um lugar menos desigual. Ter essa consciência da realidade fez com que todo meu círculo social me visse com uma espécie de repulsa; porém, ser julgada pela minha família me faz acreditar que estou no caminho certo.

Na segunda-feira do meu aniversário de 28 anos, Amanda preparou uma festa com tudo que eu mais gostava de aproveitar quando não estava dedicada ao meu trabalho e me obrigou a deixar o escritório mais cedo.

— Amandinha, mandou muito bem! — Abracei minha prima ao chegar na área de lazer da minha casa, onde dezenas de pessoas desconhecidas e bêbadas se aglomeravam em uma pista de dança montada ao lado da piscina para ver a DJ que se preparava para começar a tocar. Uma equipe de buffet tentava driblar a pequena multidão e circulava pelo local carregando bandejas com o que parecia ser mini pizzas e hambúrgueres. — Álcool, música alta, comida de procedência duvidosa e desconhecidos sem nenhum pudor social, você sabe mesmo como fazer uma festa.

— Ayla Luna de Farias! — Amanda falou meu nome completo revirando os olhos e me puxou pela mão, arrastando-me pelo salão em busca do bar. — Como eu poderia deixar passar em branco?

— Obrigada por se importar. — Sorri, grata. Eu não costumava demonstrar a solidão que sentia após os anos de tensões familiares, mas datas especiais mexiam com meus sentimentos.

— Tenho certeza de que os Farias lembraram, só estão muito ocupados... — Amanda sabia que eu não havia recebido sequer um mísero "feliz aniversário" dos meus pais, e talvez eu seja puramente uma manteiga derretida por ter achado fofo o jeito como ela tentou compensar anos de abandono afetivo parental, me dando aquela festa estranha com gente esquisita.

Desde que deixei minha antiga casa, onde moram meus avós, pais, tios e primos, em uma espécie de família Madrigal da alta sociedade, a relação entre nós estava estremecida. Eles acreditavam que eu estava ficando maluca por renegar aquele incrível clã familiar, cujos únicos poderes eram manipular a justiça e ostentar futilidades. Fala sério, quem precisa de uma ilha particular na Baía de Alexandria? Pelo menos eu tinha a presença constante de Amanda e das diversas mulheres em minha cama; caso contrário eu estaria completamente sozinha me afogando no trabalho.

— Tanto faz... — Balancei os ombros para expulsar os resquícios dos fantasmas familiares. Afinal, era minha festa, e eu já havia deixado o escritório, então precisava me divertir. — Onde está todo aquele álcool que você me prometeu?

Ao encontramos o bar, entrei na pequena fila atrás de algumas das convidadas de Amanda e observei a garota que preparava os drinks. Com a maior graciosidade que já havia visto, ela sacudia uma coqueteleira de alumínio depois de adicionar uma enorme quantidade de vodka.

— Quem é essa? — Perguntei, erguendo a sobrancelha ao perceber o olhar encantado da minha prima na direção da jovem bartender.

— É a Isa. Nós temos meio que um lance. Pelo menos eu acho que temos.

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