Capítulo 4 - Luna

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Existem duas maneiras de entender o significado de agonia. A primeira é olhando no dicionário: substantivo feminino; sofrimentos morais intensos; aflição, angústia, inquietação; dor severa ou intensa. A segunda é simplesmente ficando ao meu lado por mais de cinco segundos.

Há duas semanas, desde a minha festa de aniversário, quando não consegui conter meus impulsos autodestrutivos e afastei a Estrela, com toda aquela história de sinceridade, usando um flerte desastroso, minha vida se transformou em um verdadeiro martírio. Era impossível deixar de pensar nela, e quanto mais eu tentava me concentrar em outras coisas, mais o seu rosto invadia até mesmos os meus sonhos.

A intensidade da minha agonia era tanta que até Amanda percebeu que havia algo errado. No entanto, não podia compartilhar com ela a razão da minha aflição, ou teria que confessar que quebrei a promessa. E eu não estava no clima para ter aquela conversa e levar uma bronca, então não tinha outra alternativa a não ser encarar sozinha a minha dor.

— Você é tão dramática! — Amanda me jogou uma bolinha de papel, tirando-me dos meus devaneios. Estávamos no escritório, e eu me preparava para uma palestra que daria em algumas horas.

— O que? — Peguei a bolinha e a joguei na lixeira, sem energia para devolver a provocação.

— Não me olhe com essa cara de quem vai chorar a qualquer momento. O que está acontecendo, Ayla Luna? Você está estranha desde a festa, está me assustando.

— Não é nada, só estou cansada.

— Eu sei que você está assim porque não te deixei chegar perto da Estrela. — Amanda falou, e eu rapidamente me ajeitei na cadeira. Como ela sabia que eu estava pensando em Estrela? — Você deixou quinze abas de pesquisas abertas no meu computador ontem. "Professora de dança em Santa Isabel", "Professora de dança e bartender em Santa Isabel" "Mulher que trabalha com drinks e dança". Fala sério, Luna.

Droga! Sou realmente péssima em esconder segredos.

— Eu só queria contratá-la para a festa junina aqui do escritório. — Soltei a primeira mentira deslavada que veio à mente. — Estive conversando com o pessoal, e eles pediram uns drinks para levantar a moral da galera na festa esse ano, então concordei em providenciar.

— Estamos em setembro. — Amanda ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços, girando a cadeira para me encarar. Merda, pelo visto, também sou uma péssima mentirosa.

— Tá legal, você me pegou! Estou sim procurando a garota, mas é só porque ela não sai da minha cabeça, e estou enlouquecendo. Por que você não me diz onde ela trabalha e acaba de uma vez com o meu sofrimento? — Arrisquei. — Que tal demonstrar um pouquinho de compaixão pela única prima legal que você tem?

— Tenho muitas primas legais. — Amanda disse e eu me esparramei sobre a mesa, rendida.

— Você não entende... — Choraminguei, sem vontade de explicar.

— Luna, você só está assim porque não pode tê-la. No momento em que falar com ela, essa obsessão vai acabar, eu juro! — Amanda argumentou, erroneamente. Falar com Estrela só aumentou minha vontade. — E depois você vai enjoar, e a garota vai ficar sofrendo pelos cantos. Deixa disso que amanhã você já vai ter esquecido. Escuta o que estou te dizendo.

— Eu preciso ir, tenho um compromisso. — Rapidamente juntei minhas coisas e enfiei de qualquer jeito na bolsa. Amanda geralmente acertava tudo sobre minha vida, mas dessa vez eu tinha certeza de que ela estava errada.

O que eu senti na mínima interação com a Estrela era totalmente o oposto das minhas relações passageiras, às quais estava acostumada. Aqueles poucos minutos de conversa geraram em mim uma vontade que não passaria com uma noite na cama. Ao contrário do que Amanda pensava, eu não ficaria entediada. Eu ansiava por Estrela, cada pedacinho dela, mas não era apenas o seu corpo que eu gostaria de desbravar. Era sua alma que me seduzia.

Era impossível que Amanda estivesse certa, não é mesmo? Ela estava errada. Eu nunca quis tanto que ela estivesse.

Recebi um convite para participar de um evento na Universidade de Santa Isabel. Minha palestra sobre Advocacia Pro Bono era a última da manhã, mas para fugir de Amanda, resolvi chegar mais cedo e andar pelo campus. Quem sabe reviver os meus dias como um jovem universitária me fizessem pensar em outra coisa que não fosse a chatice da minha prima e, é claro os olhos inquietantes de Estrela.

É claro que eu não teria essa sorte.

— Meu Deus, me desculpa! — Fui atingida por alguém que vinha sem controle pelo corredor. Quando dei por mim, estava estirada no chão. Pronta para disparar meu estoque de palavrões, aceitei a mão que me foi oferecida e senti as penas tremerem, quase caindo novamente ao ver que era ninguém menos que Estrela quem me ajudava a levantar.

— Você! — Se eu tinha alguma dúvida sobre aquela garota, vê-la ali, usando um vestido de verão e rasteirinhas, com os olhos escuros escondidos atrás de óculos de grau, fez toda hesitação se transformar em esperança e ainda mais desejo.

— Luna. — O tom suave em sua voz, uma mistura de surpresa e alegria, não deixava dúvidas: ela também tinha pensado em mim. Mesmo que fosse um pouquinho, tratei de me convencer. — O que você está fazendo aqui?

Estrela olhava para os lados, parecendo preocupada com a possibilidade de alguém nos ver ali. Esse comportamento me ligou um alerta. Seria uma possível namorada ou namorado? Imediatamente procurei suas mãos com meus olhos e não encontrei nenhuma aliança. Notei também que ela não usava o pingente de estrela.

— Vim para a palestra. — Respondi, percebendo mais detalhes sobre ela. Apesar da áurea sombria ser a mesma da outra noite, a luz do dia a deixava ainda mais atraente. O sol iluminava seu rosto, destacando suas expressões.

— Ah, você já está inscrita? Acabei de voltar do pavilhão, e as vagas para a última palestra já acabaram. — Estrela entrou minha bolsa, que havia caído no chão junto comigo.

— O que? — Perguntei, sem entender bem o que ela dizia. Minha mente estava completamente focada em gravar cada movimento do seu corpo.

— Se você veio para a palestra da Ayla de Farias, infelizmente não vai conseguir participar. O auditório está lotado desde cedo. — Estrela falou, ainda olhando para os lados e dando sinais de que encerraria nossa conversa.

— Ah, e você vai não participar da palestra? — Perguntei, sem ousar deixar que ela se afastasse um passo sequer.

— Eu até queria, li uns três artigos dela só essa semana. — Estrela falou, e percebi um leve brilho passar rapidamente por seus olhos. — Mas, infelizmente não tem mais vagas.

— Você me disse que não era advogada. — Falei, lembrando-me da nossa última conversa atravessada na minha cozinha.

— E não menti. Sou só uma estudante e tenho o bom senso de não sair dizendo isso por aí. Não quero que as pessoas me odeiem antes da hora. — Estrela disse, e eu segurei uma risada. Seria curioso vê-la com minha família. Um arrepio me percorreu ao imaginá-la comigo nas chatas festas de natal. — Eu tenho que ir.

— Espera! — Por que ela sempre estava indo? — Pensei que você quisesse assistir à palestra.

— Eu queria, mas como eu disse: está lotada. E essa universidade não abre mão de nada, então, sem chances.

— E se eu te dissesse que existe uma chance? — Estrela não me reconhecia, e eu não podia perder a oportunidade de me aproveitar da situação, afinal, não era todo dia que eu tinha a sorte de ter duas personalidades.

— Eu te diria que você está enganada. Nunca vão nos deixar entrar, a não ser que tenha uma credencial da produção ou algo assim... — Ela me olhou, desconfiada, erguendo uma sobrancelha. — Você tem?

— Digamos que eu tenha o algo assim.

— Luna, não brinca!

— Não estou brincando. — Estendi a mão, e ela hesitou. Alguma coisa parecia travar os seus movimentos. — Confia em mim.

Estrela suspirou, deu uma última olhada em volta e finalmente segurou minha mão. A garota era uma fugitiva comprometida ou só tinha uma leve mania de perseguição? Eu não sabia! Mas tudo bem, ela estava realmente animada, e meu coração batia forte ao saber que eu era a responsável por aquele semi sorriso em seus lábios.

Amanda estava completamente errada. E eu, pelo visto, muito ferrada.

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