Capítulo 9 - Luna

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Sempre tive uma vida intensa. Desde criança, inúmeros e ilógicos compromissos lotavam minha mini agenda. Aulas de balé, idiomas, esportes, reforço escolar, clube de debates... e tantas outras atividades que pais com muito dinheiro e pouco afeto impõem aos filhos para não precisarem lidar com dilemas e complicações da infância.

E eu me acostumei com isso. Aprendi a lidar com mais responsabilidade do que conseguia aguentar e a preencher todo o espaço vazio da minha vida com trabalho. Mas isso nunca foi um grande problema. Pelo menos não até conhecer a Stella.

Depois do nosso almoço e daquele beijo, começamos a conversar mais, e minha vida ganhou um novo propósito: desvendar Stella. Propósito que descobri não ser nada fácil, porque, sério, essa mulher era um mistério ambulante. Além de não ter nenhuma rede social, ela sumia por horas e simplesmente aparecia com uma mensagem no meio da madrugada, me causando uma confusão de sentimentos. Ela não podia me beijar e esperar que eu lidasse com aquilo sozinha. Eu precisava falar sobre o beijo, entender o que ela estava sentindo e, principalmente, saber se ela me beijaria outras vezes.

Como as pessoas conseguem beijar alguém e não perder o controle no dia seguinte?

Mais uma semana começava e lá estava eu, andando em círculos pelo escritório, atraindo olhares atravessados de Amanda.

— Se você não parar com isso, vai abrir um buraco no chão, e eu vou abrir um buraco na sua cabeça — Amanda ameaçou jogar um grampeador em mim, já que as últimas trinta bolinhas de papel não surgiram efeito. — Quer me dizer o que está acontecendo?

— Amanda... — eu precisava contar a verdade para ela. Não me fazia bem esconder as coisas da minha prima. Mas o que eu tinha para contar? Que estava trocando mensagens com uma garota que eu beijei uma vez? Isso era ser emocionada demais, até mesmo para os meus padrões. Eu precisava me controlar. — Você acha que a Stella é casada?

Droga, acho que isso era exatamente o contrário de me controlar.

— O que? — Amanda arregalou os olhos e soltou o grampeador na mesa. — Ayla Luna, eu não acredito que você está pensando de novo nessa garota!

Aquele era o momento certo para admitir que, na verdade, eu nunca deixei de pensar nela. E, que... ah, eu tinha beijado a garota. E era o que eu faria se meu celular apertado na minha mão suada não tivesse acabado de piscar com o nome da Stella no visor.

— Não é o que você está pensando — era. — A gente conversa depois, eu prometo.

Saí do escritório, desci dez degraus da escada com dois pulos e corri até chegar ao estacionamento. Entrei no meu carro e atendi a ligação de Stella, que já devia estar no último toque.

— Oi! — falei, tentando controlar minha respiração esbaforida. Eu realmente precisava voltar para a academia e melhorar meu condicionamento físico.

— É uma hora ruim? — Stella perguntou, e pude sentir sua voz vacilar. — Estou atrapalhando? Se for, posso ligar depois.

— Não, eu só estava, hum... correndo? — inventei a desculpa mais convincente que consegui.

— Duas horas da tarde? — Stella perguntou, e a imaginei levantando uma das sobrancelhas, cética.

— Sim, é o único horário livre que tenho. Sabe como é, né? Sou uma celebridade jurídica e tal, sem tempo para nada — brinquei.

— Ah, então essa ligação não é uma boa ideia. Eu queria te fazer um convite, mas você provavelmente não vai ter tempo.

— Não! Quer dizer, sim! Eu tenho tempo. Todo tempo do mundo. Pode falar — meu Deus, eu estava me descontrolando, mas não conseguia evitar.

— Hoje é minha folga e eu tenho a noite livre. Pensei em te convidar para jantar.

— Jantar? — Espera, isso estava mesmo acontecendo? Depois de dias trocando apenas mensagens esporádicas, Stella estava me convidando para sair? E o beijo? Eu devia perguntar sobre o beijo?

— Sim. Eu preciso comer, você precisa comer, e poderíamos fazer isso juntas. — Ela usou o mesmo argumento que eu tinha usado para convencê-la da outra vez. Talvez ela devesse saber que eu não precisava de muito para aceitar. Eu iria para qualquer lugar com ela, sem pensar duas vezes. — Se tiver um tempo na sua agenda de celebridade jurídica e tal.

— Engraçadinha — sorri, sentindo o estômago revirar. Céus, como eu amava aquela sensação.

— E então?

— Vou ver se consigo te encaixar aqui nos meus horários.

— Luna, estou falando sério, você pode ou não?

— Claro que posso, Stella.

— Eba! — Ela respondeu, aliviada, e eu podia até sentir o sorriso dela através da ligação. Fofa!

— Mas com uma condição...

— Qual?

— Eu cozinho para você.

— O que?

— Eu cozinho para você, na minha casa.

Nosso almoço havia sido maravilhoso, mas durante todo o tempo, Stella parecia tensa e seu olhar percorria o ambiente, como se a qualquer momento alguém fosse aparecer e pegá-la em flagrante fazendo algo muito horrível. Dessa vez, eu a queria completamente relaxada e concentrada apenas em uma coisa: em mim. E nas nossas bocas se encontrando novamente.

— Luna, eu não sei se é uma boa ideia — Stella falou com cuidado, e eu senti um receio se espalhar pelo meu corpo. Será que eu estava forçando a barra? — E se alguém da sua família aparecer, como você vai explicar que está jantando com a garota que serviu drinks na sua festa?

Às vezes, eu não sabia se o medo de Stella era sobre ser vista com qualquer pessoa ou especificamente comigo.

— Não se preocupe, eu vou conversar com a Amanda logo, e o resto da minha família não se importa comigo o suficiente para aparecer para uma visita em plena segunda-feira.

— Tem certeza que quer me levar para sua casa? — Stella perguntou ansiosa.

— Absoluta.

— Tá legal, então, marcado. Te vejo mais tarde — ela respondeu, com o que pareceu ser um surto de coragem, do tipo que a havia feito me beijar. Como era possível que eu fosse a única ficando maluca com aquele beijo?

— Ótimo! Eu sei várias receitas de miojo, você precisa experimentar — não perdi a oportunidade de a fazer revirar os olhos mais uma vez.

— Mal posso esperar.

— Stella — chamei, antes que ela desligasse.

— Oi.

— Vou poder te beijar de novo?

— Se você não me assustar, Luna, pode ser que eu não fuja.

Então quer dizer que eu só precisava controlar minha intensidade e não deixar que a bagunça dentro de mim a afastasse? Moleza.

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