Eu nunca fui uma pessoa emocionada, nem mesmo antes de a minha vida se transformar nessa torturante confusão depois da morte da minha mãe. Sempre mantive os pés no chão e fui consciente da minha realidade. Mas, naquele momento, enquanto dirigia até o restaurante escolhido por Luna, eu não entendia porque um simples almoço estava me deixando tão ansiosa.
Talvez porque, no final das contas, não fosse um almoço tão simples assim. Afinal, eu havia descoberto, de uma maneira surpreendente, que a Luna, na verdade, era Ayla Luna de Farias, uma advogada super conhecida, tanto pelo sobrenome que carregava quanto pelo seu envolvimento em causas sociais, destoando do restante da família e da influência que exerciam em Santa Isabel.
É claro que eu já havia estado com pessoas poderosas antes, mas nunca como Stella. Estrela era quem dominava esses momentos. E agora eu estava ali, prestes a encontrar uma das autoras mais lidas pela minha turma nesse semestre, que por acaso era prima da potencial namorada da minha melhor amiga. Ah, e que, por sinal, não sabia que eu tinha uma vida dupla.
Ao entrar no restaurante, de cara avistei Luna. Mais uma vez, ela vestia roupas sociais impecavelmente alinhadas, e eu, desajeitada, passei a mão pela minha calça jeans e soltei o cabelo, tentando parecer mais apresentável.
— Oi — Luna levantou-se da mesa com um pulo ao me ver e abriu os braços. Me aproximei e a abracei. O cheiro doce e marcante do seu perfume, que já estava se tornando familiar, me invadiu e, por alguns segundos, bagunçou meus sentidos. — Que bom que você chegou.
— Desculpa o atraso, meu professor segurou a turma até o último segundo — falei, enquanto ela puxava uma cadeira para mim. Tentei agir com normalidade, mas atos de gentileza não eram exatamente comuns na minha vida.
— Você não está atrasada. Eu que cheguei mais cedo porque a Amanda estava me deixando maluca no escritório. — Luna revirou os olhos levemente e fez sinal para chamar o garçom. — Ela quer me impedir de te encontrar de qualquer jeito. Precisei inventar uma desculpa, como se eu fosse uma adolescente saindo escondida dos pais.
— Eu acho que sei qual o problema dela comigo. — Claro que Amanda não queria que Luna se aproximasse, afinal, ela me conhecia e sabia a verdade sobre o meu trabalho e, com certeza, queria proteger a prima.
— O problema da Amanda é comigo. Ela simplesmente não consegue acreditar que eu sou uma pessoa responsável com os sentimentos dos outros e cismou que estou obcecada por você. Mas, enfim, depois eu me resolvo com ela — Luna aceitou os dois cardápios que o garçom lhe entregou e agradeceu com um sorriso. — Obrigada.
— E você está? — perguntei, erguendo uma das sobrancelhas.
— O que? — Luna devolveu a pergunta, me encarando sem entender.
— Obcecada por mim — provoquei, sentindo o nervosismo ir embora. Estar perto de Luna era como se eu não precisasse ser Estrela para ser divertida ou atraente. Luna me enxergava como Stella e fazia com que eu me sentisse tranquila para ser somente ela, ou seja, ser eu mesma.
— Stella, eu já estive obcecada muitas vezes. Por músicas, lugares, carreira e algumas vezes também por pessoas, mas com você, por alguma razão, eu sinto que é diferente. — Luna falava com uma dicção incrivelmente perfeita, sem qualquer traço de ansiedade. — Eu só quero te conhecer e estar por perto. Talvez o destino tenha te colocado no meu caminho, e eu não consigo ignorar isso. Quero te conhecer o suficiente para saber se você é mesmo capaz de me fazer sofrer.
Eu não esperava tanta sinceridade e muito menos aquela revelação, então só concordei balançando minimamente a cabeça, sem forças para disparar o meu discurso anti-destino.
— Vamos pedir? — Luna sorriu e me ofereceu o cardápio. — E mudar de assunto, porque não quero te assustar com a minha intensidade.
— Só se a gente conversar sobre "O papel do direito no acesso à seguridade social" — falei, usando o tema de um dos seus artigos, e Luna deu uma risada que me fez pensar que talvez eu gostasse daquela intensidade. Era diferente de tudo o que eu já havia vivenciado.
— Talvez Amanda esteja errada e você esteja obcecada por mim. — Luna piscou, de um jeito que facilmente poderia mesmo me deixar obcecada por ela.
— Eu não, mas meu professor com certeza está.
— Então vamos garantir que você seja aprovada nessa disciplina.
O almoço com Luna foi um divisor de águas. Contrariando toda aquela pose formal, ela era divertida, gentil e interessada. Características que eu nunca havia esperado reconhecer em ninguém, especialmente em uma Farias. Eu não conhecia nenhum deles, mas as histórias do poder e da arrogância que aquele sobrenome impunha sempre eram ouvidas pelos corredores da Black, enquanto eles se diziam percursores da moral e dos bons costumes em Santa Isabel.
— Você é muito diferente do que eu imaginei — depois de um suspiro, pousei meus talheres na mesa. Os garçons recolhiam os últimos pratos das mesas vizinhas, causando um clima de despedida que nenhuma de nós queria encarar.
— Eu te assustei na festa, não foi?
— Na verdade, me assustou com a palestra. Não sei se consigo lidar com o fato de que você é uma celebridade jurídica de uma das famílias mais poderosas de Santa Isabel.
— O que? — Luna engasgou com o suco que estava bebendo. — Eu não sou uma celebridade.
— Você é amiga do reitor da minha universidade, Luna. E todos os meus professores te conhecem. Sinto te informar que você é, sim, uma celebridade.
— Olha, eu nem vou tentar te convencer de que essas coisas não são importantes. Eu sei que tive muitos privilégios, mas, agora, é só um sobrenome. Não é quem eu sou de verdade.
— E quem você é de verdade?
— Posso ser muitas coisas, mas nesse momento sou só alguém que quer muito sair com você outra vez — Luna falou, com firmeza na voz. Era incrível como naquele dia ela parecia ser a pessoa mais segura da face da terra.
— Talvez eu queira descobrir quem você é de verdade — contrariando todo o bom senso, que me mandava erguer minhas pontes e afastar Luna, sorri para ela.
Luna sorriu de volta.
Uma risada tranquila que eu nunca teria imaginado vir dela — nem como a poderosa advogada Ayla de Farias, nem como a atrapalhada aniversariante Luna. Percebi que aquela era uma risada da Lua. Uma outra parte dela, que agora eu começava a conhecer. Bom, eu tinha duas personalidades, e aparentemente ela tinha três.
Então, o restaurante mergulhou em silêncio. Os garçons recolhendo os pratos, as pessoas que se levantavam para ir embora, o choro incessante de um bebê — tudo ao nosso redor se transformou em um borrão. Eu sabia o que aquilo significava.
Eu deveria dizer algo, talvez até fugir dali. Mas meus olhos só conseguiam focar nos olhos de Luna, na energia que ela transmitia, e no brilho suave parecia pulsar dela.
Luna inclinou a cabeça devagar, sem romper a ligação entre nós. Antes que eu pudesse hesitar, questionar ou me afastar, pela primeira vez em muito tempo, deixei que o impulso me guiasse e me inclinei em sua direção.
Nossos rostos ficaram próximos o suficiente para que eu sentisse sua respiração, suave, misturada ao seu perfume caro.
Fechei os olhos, e nossos lábios se encontraram.
O beijo foi delicado, quase uma descoberta. O tempo pareceu parar enquanto eu me perdia na suavidade e na paixão daquele momento. Ela era uma fusão — sua língua buscava a minha com a mesma urgência com que minhas mãos enrolavam seus cabelos. O mundo poderia ter acabado do lado de fora, e eu não teria notado.
Era só ela, só nós.
Quando nos afastamos, Luna abriu um sorriso tímido, como se também estivesse digerindo a intensidade do que acabara de acontecer. Nem precisei dizer nada; havia compreensão em seu olhar. E, naquele instante, tudo pareceu, enfim, fazer sentido.
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Due
RomanceStella é uma jovem sem muito tempo para sonhos e que leva uma vida dupla: durante o dia, ela é uma estudante dedicada, e à noite, brilha como Estrela, uma sedutora dançarina. Em meio à sua rotina agitada, Stella conhece Ayla Luna, uma advogada de s...