Capítulo 5 - Stella

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Andar com Luna pela universidade era perigoso para o meu segredo, e conforme a brisa suave carregava seu perfume caro até meu nariz, a situação também se tornava perigosa para o meu coração. Aqueles minutos inesperados com ela em sua festa tinham mexido com algo em mim, algo que, até então, eu tinha certeza de que era impossível acontecer. Pensei muito sobre ela nos últimos dias e até havia perguntado algumas coisas para Isa, mas ela também não tinha muitas respostas.

Eu estive apaixonada apenas uma vez, um pouco antes de me tornar dançarina na Black. Paula foi uma experiência incrível com tudo que um típico amor adolescente tem direito: frio na barriga, coração acelerado e juras de amor eterno. No último ano do ensino médio, seus pais descobriram nosso relacionamento, e a tiraram da escola antes da formatura. Na mesma época, minha avó enfrentava sérias complicações da diabetes, e não tive tempo para sofrer por Paula. Enfiei aquela dor em um cantinho especial no meu coração, ao lado de todas as outras.

Assim, desenvolvi uma dinâmica simples: sempre que alguém ameaçava ultrapassar minhas barreiras e chegar a uma parte de mim que não poderia ser acessada, seja como Estrela ou Stella, eu reforçava essas barreiras, sufocando qualquer vestígio de algo que poderia se tornar um sentimento. Quanto mais eu bloqueava o amor, mais ele se afastava. Era uma estratégia que funcionava perfeitamente bem. Até aquele momento na festa, quando meus olhos se encontraram com os de Luna, abalando as estruturas do meu mecanismo de defesa.

— E como vão as aulas de dança? — Luna perguntou, quebrando o silêncio entre nós.

— Hum?

— Amanda me disse que você e Isa trabalham com dança, são professoras, certo?

— Ah, sim. Trabalhamos com dança. — Evitei entrar em detalhes. Minhas duas vidas nunca haviam se confrontado assim antes, e eu não sabia bem como agir. Para piorar a situação, Luna ficava incrivelmente linda usando roupas sociais, e eu precisava me esforçar para manter o foco, porque estava ficando distraída com sua beleza ao meu lado.

— Que legal! Poderíamos sair para dançar qualquer dia desses. — Luna sugeriu, e eu apenas concordei com a cabeça, sabendo que aquilo nunca aconteceria.

Ao chegarmos ao pavilhão do evento, senti uma pontada de ansiedade. Não soube distinguir se era pelo plano de Luna de nos colocar para dentro ou pela nossa crescente proximidade. Ela acenou e sorriu para as pessoas que conferiam os ingressos no portão e simplesmente entrou, passando por elas sem dizer uma palavra.

— Vem. — Ela nos guiou em direção às salas atrás do palco principal, reservadas aos organizadores e palestrantes. Surpreendentemente, ninguém nos impediu; pelo contrário, as pessoas também acenavam e sorriam para ela.

— Esse é seu plano? Contar com a sorte para ninguém nos parar? — Perguntei, exasperada. Luna estava chamando atenção, e aquilo era arriscado. Eu já devia saber que era uma péssima ideia.

— Funcionou, não é mesmo? — Luna piscou para mim e abriu a porta de uma das salas reservadas, puxando-me para dentro.

Quando entramos, se Luna não estivesse em frente à porta bloqueando minha rota de fuga, juro que teria corrido dali sem ao menos olhar para trás. Naquele momento, não apenas grande parte dos meus professores, mas também o reitor e muitos dos palestrantes do evento, nos encaravam.

— Luna! — O reitor abriu os braços e veio em nossa direção. Resisti ao impulso de fechar os olhos e pensar na minha expulsão da universidade.

— Camilo, meu querido — Luna retribuiu o abraço e cumprimentou o reitor com naturalidade. — Como vai?

— Ótimo e você? Que bom que chegou, estávamos te esperando.

— Também estou ótima — Luna me estendeu a mão e, assim que a segurei, puxou-me para mais perto de si. — Essa é Estrela, está me acompanhando. Pode conseguir uma credencial para ela?

— Claro! — Camilo sorriu para mim. Eu havia passado quatro anos naquele lugar e encontrado o reitor em diversas ocasiões, mas aquela era a primeira que ele realmente me olhava. — Fale com o pessoal da organização, querida. Eles vão providenciar imediatamente.

— Obrigada, Camilo. — Luna agradeceu sem soltar minha mão. — Nos vemos mais tarde.

Lembrei-me que Isa disse algo sobre Luna ser uma advogada importante, e talvez isso explicasse aquela cena estranha. Ela provavelmente era conhecida naquele meio. Minha respiração aos poucos ia voltando ao ritmo normal; acho que eu não seria expulsa dessa vez.

— Viu? Conseguimos! — Luna piscou novamente enquanto me conduzia até a mesa da organização. — Só tem um probleminha.

— Qual? — Perguntei, sem acreditar na minha sorte. Ter uma credencial iria me garantir acesso a todas as palestras da semana de evento. Eu nunca conseguia participar de atividades extraclasses, porque a maioria delas acontecia a noite. Quando algum raro evento acontecia durante o dia, as vagas esgotavam antes que eu sequer pensasse em me inscrever.

— Vão precisar do seu nome verdadeiro. — Luna falou, e senti minha sorte esvaindo-se. Um sinal de perigo incessantemente soava em minha cabeça. Eu deveria encerrar aquela situação e proteger minha identidade. Fortalecer a barreira e proteger meu coração. — Confia em mim — Luna acrescentou ao ver meu incômodo, beirando ao desespero.

— É a segunda vez que você diz isso — suspirei. Por mais que eu tentasse fingir, sua voz me envolvia, como se ela fosse uma maldita sereia encantada.

— Porque é verdade. Olha, tudo bem se não quiser me dizer. Eu vou cumprimentar algumas pessoas e você se cadastra; depois conversamos. Mas é importante que use seu nome verdadeiro para pegar o certificado de participação do evento depois. Vale horas complementares. — Luna falou e saiu, deixando-me sozinha na mesa de participação, onde um dos organizadores me olhava com um enorme sorriso, esperando meus documentos para inscrição.

Talvez aquele gesto tenha mexido comigo mais do que eu gostaria de admitir. Peguei a credencial com meu nome verdadeiro, fui atrás de Luna e a encontrei em uma roda conversando com meus professores. Obviamente, não me aproximei, mas assim que percebeu que eu estava por perto, ela sutilmente deixou a conversa e veio até mim. Notei que havia uma mancha em sua calça, causada por mim, quando a derrubei no chão.

— Stella. — Entreguei minha credencial para Luna, que a analisou enquanto maneava a cabeça. Aproveitei para tirar a poeira da sua roupa, dando leve batidinhas em sua perna. — Meu nome é Stella.

— Stella Rodrigues. — Ela leu as informações e lentamente repetiu meu nome.

— Pode continuar me chamando de Estrela, se quiser. — falei tensa. Luna agora era uma das poucas pessoas que sabiam meus dois nomes, e apesar de eu ter adorado a forma como soava em seus lábios, aquilo me assustava.

— Estrela é lindo, mas gosto mais de Stella. Combina com você — Luna disse, firmando os olhos aos meus. — Bom, é um prazer, Stella Rodrigues. O meu nome é Ayla Luna de Farias.

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