2. Cicatrizes

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Pov Autora

O silêncio da casa era quase ensurdecedor. A única luz vinha da janela entreaberta, iluminando suavemente o quarto que Chiquita havia planejado para o bebê que nunca veio. Ela segurava um pequeno par de sapatinhos de tricô que havia comprado, lembranças de um sonho que se desfez abruptamente. O tempo passara, mas a dor nunca se dissipara por completo.

Ela fechou os olhos, tentando afastar as lágrimas que insistiam em brotar. Aquela perda havia deixado marcas profundas, tanto em seu coração quanto em seu relacionamento com Ahyeon. No primeiro ano de casamento, quando o peso da tragédia se tornou insuportável, Chiquita encontrou um escape temporário nas drogas. Mas agora, longe desse vício, ela sabia que o verdadeiro desafio ainda permanecia, lidar com as cicatrizes emocionais.


Chiquita recordava nitidamente os primeiros meses de casamento. Ela e Ahyeon estavam perdidamente apaixonadas, construindo uma vida juntas e planejando um futuro brilhante. Quando descobriram que estavam esperando um bebê, a felicidade parecia completa, para o casal e sua família, que começaram a fazer planos para o futuro bebê.

Mas o destino tinha outros planos.

O aborto espontâneo ocorreu de forma inesperada e brutal. A dor física foi intensa, mas a dor emocional foi muito pior. Naquele momento, o mundo desabou para Chiquita. Ela se isolou, sem saber como processar o luto. Foi então que as drogas entraram em sua vida. Não por prazer, mas para anestesiar a dor que ela não conseguia expressar.

Agora, sentada no quarto silencioso, Chiquita se perguntava se algum dia superaria aquilo. Ahyeon havia sido compreensiva durante o processo de recuperação, mas Chiquita sempre sentiu que havia algo não resolvido entre elas. O trauma da perda, somado às lembranças da infância tumultuada, onde até os tenpos atuais Chiquita não conseguiu superar.

Ela ouviu a porta da frente se abrir e, logo depois, os passos suaves de Ahyeon. Chiquita rapidamente guardou os sapatinhos e limpou as lágrimas, tentando não parecer tão vulnerável. Mas Ahyeon sempre soube. Ela sempre percebia.

Ahyeon estava exausta, tanto física quanto emocionalmente. O hospital havia sido um caos, como sempre, mas seus pensamentos estavam em Chiquita o tempo todo. Desde a perda do bebê, uma parte de Ahyeon se sentia impotente. Ela era uma médica capaz de salvar vidas todos os dias, mas não conseguiu proteger a vida que mais importava para elas.

Ao entrar no quarto, viu Chiquita sentada na beira da cama, o olhar distante. A tensão entre elas era palpável, mas havia também uma ternura silenciosa que as mantinha conectadas, mesmo em meio às tempestades emocionais.

- Ei... - Ahyeon quebrou o silêncio, sua voz suave.

Chiquita levantou o olhar, um sorriso fraco se formando em seus lábios. Mas Ahyeon sabia que aquele sorriso escondia uma dor que ainda não havia sido resolvida.

Sem dizer mais nada, Ahyeon se aproximou, deixou sua bolsa na cama e devagar sentou ao lado de Chiquita. Ela estendeu a mão e, de forma quase instintiva, Chiquita segurou-a. O toque era suave, mas carregado de significado. Era o tipo de contato que elas não tinham há muito tempo, físico, íntimo, mas silencioso. Um lembrete de que, apesar de tudo, elas ainda estavam ali, juntas.

Enquanto segurava a mão de Ahyeon, Chiquita se lembrou da infância marcada pelas brigas incessantes de Jennie e Lisa. Ela havia crescido em meio ao caos, observando suas mães se agredirem tanto com palavras quanto fisicamente. Naquela época, Chiquita aprendeu a se fechar para o mundo. Ela nunca quis que seu relacionamento com Ahyeon seguisse o mesmo caminho, mas, de alguma forma, sentia que estava se repetindo. As feridas do passado nunca tinham sido completamente curadas.

- Eu... Estava pensando no bebê hoje... - Chiquita finalmente quebrou o silêncio. Sua voz era baixa, quase um sussurro.

Ahyeon respirou fundo, sentindo o peso daquelas palavras.

- Eu também penso nele - Ahyeon respondeu, apertando levemente a mão de Chiquita. - Sempre.

O silêncio entre elas era pesado, mas não desconfortável. Era o tipo de silêncio que dizia mais do que palavras jamais poderiam. Ahyeon, sem soltar a mão de Chiquita, passou os dedos delicadamente pelos fios de cabelos pretos de sua esposa, em total silêncio.

- Eu sinto como se a gente estivesse preso em um ciclo, Ahyeon. As coisas ficaram tão difíceis, e eu... - Chiquita hesitou, lutando para encontrar as palavras certas. - Eu só quero saber se a gente vai conseguir sair disso.

Ahyeon se levantou, caminhando até a janela, onde olhou para o horizonte, sentindo o peso da pergunta. Ela queria garantir que tudo ficaria bem, mas não tinha certeza. A única coisa que sabia era que ainda amava Chiquita com todo o seu ser.

- Nós vamos tentar, Chiquita - Ahyeon disse, finalmente se virando para ela. - Mas precisamos fazer isso juntas.

Chiquita se aproximou, e Ahyeon a puxou para perto, envolvendo-a em um abraço longo e firme. O toque físico era a única forma que tinham de se reconectar naquele momento. Elas se seguravam como se a própria vida dependesse disso.

- Você já jantou? - Chiquita nega com a cabeça.

As duas caminham em direção a cozinha pequena do apartamento. Chiquita da uma leve olhada para a porta do quarto que seria do bebê, mas logo tem sua atenção tirada pela Ahyeon.

- Amor? - Ela a chama.

- Hm?

- Amanhã estou de folga... - Ahyeon é surpreendida por um sorriso abertamente contente de Chiquita. - Calma. - Sorrir. - Estava pensando em irmos visitar nossa família, minhas mães disseram que amanhã é o aniversário de 8 anos do Suho, quero ir vê-lo..

- Claro, vamos sim! Pensei que você tinha esquecido. - Chiquita falou indo até o armário e pegando uma panela, em seguida enche de agua. - Vamos passar primeiro no shopping e comprar um presentinho pra ele.

- Pode ser, mas do que ele gosta? Não faço ideia. - Ahyeon fala pegando algumas verduras e lavando.

- Como assim? Você não sabe do que seu irmão gosta? - Chiquita pergunta incrédula, as duas sorriem.

- Não tenho culpa, Su-ho cresceu bem distante de mim... Você sabe disso.

- Ele também não tem culpa de ter uma irmã que passava vinte e quatro horas com a cara enfiada nos livros.

- Amooorr! - Ahyeon reclama fazendo um bico chateada.

- Desculpe, estava brincando.

Elas começam a cozinhar algo para comer, quando a janta fica pronta, se preparam e vão direto para a sala assistir um filme, isso poderia ser rotina, mas Chiquita sabe que precisa aproveitar cada momento dessa noite e do dia amanhã, pois momentos assim com Ahyeon, são raros.

Sintonia | Chiyeon G!POnde histórias criam vida. Descubra agora