𝟶𝟸

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Depois de colocar Dália para dormir me tranco em meu quarto e me sento na cama, encarando a janela fechada.

Penso em Abigail e em suas palavras no banheiro da igreja hoje mais cedo, penso em seu rosto esperto e em como parece tão fácil para ela ser como é.

Vai morrer sufocada se continuar seguindo as regras idiotas do seu pai. Não pode se maquiar, não pode sair e ser jovem — ela falou enquanto lavava as mãos na pia e passava água nos cabelos — Sabe, desobedecer a ele uma vez na vida não vai matar você.

Vai se ele descobrir — murmurei, encarando meu rosto pálido no espelho. Abigail suspirou e me virou e me virou em direção a ela.

Qual é, Lírio, só uma vez não vai machucar. Eu te pego do lado da sua casa. Vai estar escuro, ele nem vai nos ver sair.

Meu rosto devia ter mostrado algum tipo de hesitação pois ela viu daquela como uma abertura para continuar:

Paro de te encher se aceitar. Vai ser legal, eu juro, não é nada "do demônio" vamos só dançar um pouquinho.

Mordi o lábio com força antes de dizer.

— Não é uma boa ideia.

Ela bufou com frustração, mas não desistiu.

Meia noite vou estar lá, nas sombras da sua casa como um espirito obsessor, te amo demais para ver minha melhor amiga definhar sem nunca conhecer o mundo.

Estava decidida a recusar a oferta de Abigail, mas depois da conversa que tive com meu pai, não estou mais tão certa.

Só uma noite não vai me machucar

Se meu pai me pegar estou morta, mas estou acorrentada em um relacionamento que não suporto mais e presa em uma casa com um pai que simplesmente não me escuta.

Estou farta e sozinha.

Meu celular vibra em cima da mesa de cabeceira uma vez, depois outra. Não preciso ver o nome para saber quem é.

Lucian: Me atenda, preciso falar com você

Lucian: Não pode estar brava ainda

Lucian: Pare com o drama e atenda o telefone, Lírio

Mordo o lábio com força o suficiente para cortar a pele, o gosto metálico toca minha língua.

Sinto vontade de deixar ele falar sozinho, mas ele logo iria reclamar com meu pai e teria que ouvir mais sermões, então pego o telefone e digito:

Não quero falar com você ainda, Lucian. Você me tocou quando eu disse que ainda não estava pronta. Me deixe em paz.

Uma resposta não demorou a chegar:

Lucian: Isso é ridículo, estamos praticamente casados. O que acha que vai acontecer em nossa noite de núpcias?

As palavras dele me arrepiam, me fazem lembrar de seus dedos em meu corpo, de como ele forçou minha calcinha para baixo, como ele quase me tocou se eu não tivesse estapeado o rosto dele.

A marca de minhas unhas ficou em sua bochecha, mas sei que ele as cobriu com alguma maquiagem de sua irmã mais velha.

Outra mensagem chegou:

Lucian: Quer que eu peça desculpa por tocar em minha noiva? Tudo bem, desculpa. Está calminha agora?

— Idiota — murmurei.

Desliguei o telefone e o joguei no sofá mais afastado de mim.

Sinto raiva, tanta que poderia explodir numa nuvem de estilhaços. Me levanto de supetão e caminho até a janela, antes de abri-la e encarar a noite escura. Ainda está chovendo, não tanto quanto antes, mas o suficiente para que o ar úmido me faça estremecer.

Aquelas mensagens de Lucian são o que eu precisava para me decidir.

Visto algo que me cubra menos, algo permita que parte de minhas coxas apareçam, encontro uma saia no fundo armário, depois decido por uma blusa de manga curta, preta e justa, algo de quando eu era mais nova. Agarra bem meus seios pequenos e cintura.

Deixo meus cabelos caírem soltos e afasto dos olhos a franja escura. Não tenho maquiagem, nada além de um batom rosa suave que apenas realça a cor natural.

Por fim calço a sandália de salto baixo que tenho e caminho até a janela. Imediatamente vejo Abigail se enfiar no meio das moitas como um guaxinim e, se meus nervos não estivessem a flor da pele, teria começado a rir.

Sair de casa é a parte mais difícil, meu pai já estava dormindo desde as 9h da noite, e sei que tem um sono pesado, mas sem o costume de fazer algo tão rebelde sinto que ele pode surgir diante de mim a qualquer momento.

Viro o corredor, na ponta dos pés, sibilando quando tropeço no tapete do quarto de Dália, e estou quasse alcançando a escada quando ouço uma voz falar:

— Vai pra onde?

É Dália, percebo aliviada. Seus cabelos castanhos tão parecidos com os meus caem emaranhados em seu rosto, com certeza acabou de acordar.

— Volte pra cama.

— Quero água — ela murmura.

Exalo um suspiro.

— Tem um copo cheio do lado da sua cama, Dália.

— Ouvi você passar — admite e fico grata que foi ela quem me ouviu tropeçar como uma idiota — Vai pra onde? Está vestida diferente. Posso ir junto?

— Em alguns anos — digo, ela faz beicinho, mas sei que ela não vai fazer birra, nunca foi uma criança trabalhosa — Amanha faço o bolo de chocolate com cereja que gosta tanto se voltar pra cama e não contar ao papai sobre isso.

Os olhos dela brilham.

— Com cobertura de coco?

Reviro os olhos e sorriu com carinho.

Ela volta correndo para o quarto. Estremeço, torcendo para que meu pai não escute os passos dela.

Quando chego lá fora Abigail sorri ao meu ver, me puxando para um abraço e falando alto:

— Isso garota!

— Shhhh — sibilo, tapando a boca dela e a puxando para longe de casa.

Essa noite promete, só não sei se essas promessas vão ser boas ou não. 

𝐎𝐑𝐅𝐄𝐔 - 𝐃𝐀𝐑𝐊 𝐑𝐎𝐌𝐀𝐍𝐂𝐄 +𝟏𝟖Onde histórias criam vida. Descubra agora