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1 ano depois

— Eu disse que precisava de um tempo!

Grito e viro de costas, não quero ver as feições dolorosamente bonitas de Lucian se contorcerem de raiva e enrugarem como papel.

Fico feliz que Dália está na escola e meu pai está na igreja, liderando um estudo bíblico, mas ao mesmo tempo não gosto de ficar sozinha com Lucian, não depois do que ele fez, de como ele se forçou em mim e depois zombou de meus sentimentos.

Ainda me surpreende como ele mudou, como ele deixou de ser um garoto agradável e passou a ser um, como Abigail diria, um cusão.

— Quanto tempo mais tenho que esperar, Lírio?! Já faz um ano. Hoje deveríamos estar casados!

Escuto os passos dele chegando perto, sinto o cheiro de sua colônia amadeirada em meu nariz. Me afasto inconscientemente.

— Não finja que não sabe o porquê — cuspo, minha voz rouca de desuso.

Não tenho falado muito desde que vi... desde aquele dia.

Depois de amassar o bilhete que encontrei no "buquê de lírios" enfiado no corpo daquele homem, me levantei e corri trêmula, horrorizada, pelo labirinto de becos no quão não fazia ideia de como entrei.

Quem colocou aquele corpo lá sabia que ninguém além de mim o encontraria, tudo o que tinha a minha volta era lixo e paredes descascadas, quase não encontrei a saída daquele lugar.

Depois disso minha voz sumiu quase que completamente, não tenho sentido muita vontade de falar, e há um ano, tudo o que ronda por minha cabeça é aquela figura sangrenta e entupida de flores.

Quem poderia fazer algo assim?

Porque?.... Porque eu estava lá?

Os lírios... o bilhete...

Todo aquele sangue... os órgãos esfolados... a carne rasgada...

Por muito tempo senti que enlouqueceria.

Meu pai... ele não reagiu bem a minha fuga rebelde, e mesmo que eu tenha aparecido em casa depois de correr pelas ruas em completo desespero, sangrando, com as roupas sujas e rasgadas, ainda levei uma surra que deixou outra marca em mim.

Quer agir como uma prostituta? Vai ser punida como uma.

Vociferou ele, o cinto na mão, meus joelhos ainda sangrando, minha cabeça ainda enevoada.

Fiquei presa em meu quarto por meses, sem poder ver ninguém, sem poder ir à igreja ou conversar com meus poucos amigos, mas era forçada a rezar todas as noites por horas e horas para que quem sabe assim o senhor pudesse me perdoar pelo que fiz.

Abigail se culpou, e quando a vi pela primeira vez depois disso ela chorou enquanto me agarrava e pedia desculpas incessantemente em meu ombro. Ela tremia, soluçava.

Nunca a tinha visto chorar tanto antes.

Bata em mim, Lírio. Pode bater, eu mereço. Arranhe meu rosto com suas unhas, faça o que quiser, eu sou uma amiga de merda mesmo.

Não vou bater em você — me lembro de falar tristemente enquanto encarava os olhos vermelhos e tão arrependidos dela — Foi uma estupidez, a culpa é minha e não quero mais falar disso.

Nunca mencionei o envolvimento de Abigail em tudo isso para meu pai, não queria que ele impedisse nossa amizade. De qualquer forma fui eu quem decidiu fugir, eu decidi beber a ponto de desmaiar, e de alguma forma fui eu quem acabou naquele beco sozinha, suja e cheia de sangue.

𝐎𝐑𝐅𝐄𝐔 - 𝐃𝐀𝐑𝐊 𝐑𝐎𝐌𝐀𝐍𝐂𝐄 +𝟏𝟖Onde histórias criam vida. Descubra agora