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"Eu fico malvada quando estou nervosa como um cão mau
Eu quero pular em água azul
E eu sinto falta de andar a cavalo, sinto falta de correr rápido
Eu fui feito para correr rápido
Eu fingi que você pertencia a mim, isso me acalmou, amor
Eu sou cruel, sou gentil, posso te fazer rir"

Cop Car — Mitski

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"O cachorro que apanha, o pássaro que não voa"

TOKYO FUSHIGURO

    Eu queria estar na praia, no meio da chuva, dançando. Queria sentir a água me molhar, o vento me tocar e escutar as ondas do mar, queria sentir a liberdade. Eu quero ser o mar. Tenho para mim, que o mar é o significado de liberdade, é ele que surge em minha mente sempre que penso sobre se sentir livre. Ele é gigante, profundo, misterioso, toca o mundo inteiro, ele é furioso e tem uma beleza extraordinária. Ninguém pode ter ele, mas ele tem o mundo. Ele pode ser o que quiser, desde o mar que nos banha ao mar que destrói, pode ser o mar calmo no meio do dia, e o violento de madrugada. Eu quero me tornar ele.

    Entretanto, eu tenho vinte e quatro anos e não cinco, e sei que já não posso me transformar em fada mágica, tão menos em um ser como o mar. Para sempre, eu serei eu, morrerei sendo Tokyo Fushiguro, e temo que morrerei cheia de arrependimentos. Morrerei trabalhando, sem nunca me aposentar, sem nunca morar em uma casa na praia, sem nunca dançar na chuva, sem nunca me sentir livre.

     Eu quero estar em uma praia esta noite, debaixo do cobertor que é o céu cheio de estrelas, mas estou em Tóquio, onde quase não se dá para ver as milhares de estrelas no céu. Estou sentada no chão, fumando enquanto assisto as roupas sendo lavadas pela máquina, como faço todas as semanas. No peito, sinto um sentimento que para mim não tem nome, mas é muito parecido com a insatisfação. Me sinto presa em uma gaiola pequena, sinto fome, me sinto incomodada, me sinto cansada de tudo. Não aguento mais me sentir assim.

— Shoko pensa que eu tenho vergonha dela. — depois de muitos minutos em silêncio, ela diz algo, sentada em cima da máquina de lavar — Mas eu não sinto vergonha dela, sinto vergonha apenas de mim.

— Por que ela pensa isso? — depois que trago a nicotina, inflo, o máximo que posso, meus pulmões.

    Eu já sei a resposta de minha pergunta, do mesmo jeito que sei que Utahime quer conversar sobre isso. Estamos juntas desde que saímos da agência, e falamos praticamente nada, trocamos poucas palavras, e quando nos olhamos, nos olhamos cansadas e tristes. O relógio bem acima dela marca oito e quarenta, e eu escuto seu respirar fundo.

— Você sabe o motivo. Ela disse que eu estou escondendo ela do mundo todo, de todos que eu conheço, da minha família.

— E não está? — nos olhamos.

    Eu sou a única que sabe do relacionamento de Utahime e Shoko, mais ninguém sabe, nem a agência, nem os colegas do hospital que Shoko trabalha, nem ninguém.

— Eu amo vocês duas. — bato o cigarro contra o cinzeiro — Mas são quase quatro anos que vocês estão nessa.

— Você conhece minha família, conhece meu pai. Sabe o que ele faria comigo? — junta as pernas em frente ao corpo — Eu seria a vergonha da família, ele iria me odiar, ele...— abaixa o olhar — Minha família não é como a dela, não temos a mesma vida.

𝗧𝗼́𝗾𝘂𝗶𝗼 𝗮𝗶𝗻𝗱𝗮 𝘁𝗲𝗺 𝘀𝗲𝘂 𝗻𝗼𝗺𝗲 | 𝗦𝘂𝗴𝘂𝗿𝘂 𝗚𝗲𝘁𝗼𝘂Onde histórias criam vida. Descubra agora