Capítulo 25

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Percorro a escola toda atrás de Bernardo. Ando apressada pelos corredores vazios, batendo de porta em porta, procurando por ele. Em cada sala que entro, vários rostos me encaram, alunos e professores. Sequer sei quem são, mesmo que sejam minha criação. Isso é tão estranho.

Bato na porta da sala de Álgebra e repito a mesma coisa que disse nas últimas dez classes por onde passei:

- Bom dia, professor! Mil perdões por interromper sua aula. O diretor está chamando Bernardo Berryblossom.

Bernardo levanta a cabeça e seu rosto se ilumina quando me vê. Olho ao redor. "Ótimo! Lina não está aqui!"

- Ah, sim – o professor diz, ajustando seus óculos redondos – pode ir.

Hector olha para mim, com uma expressão surpresa e confusa. Aceno e sorrio para ele.

Bernardo se levanta da sua carteira e me acompanha para fora da sala de aula. Passo 1: Verificar se Bernardo aceita que eu escreva mais capítulos sobre ele, para descobrir por que ele começou a gostar de Lina; Passo 2: Descobrir se Lina sente o mesmo por ele. Não posso forçar ela a gostar dele, porém, se ela já tiver sentimentos...

- Que bom que você voltou! – ele sorri.

Estou tão empolgada com a possibilidade desse ship, que meu sorriso deve estar parecendo uma careta. ''Disfarça''.

- Vamos tomar um café? – ofereço – deixa que eu pago.

- Você tem que pagar?! – Bernardo comenta surpreso – esse mundo é seu!

- Sim, ele funciona como a vida real. Tenho que pagar.

Saímos da escola, andamos duas ruas e entramos numa cafeteria do Moonbucks. Falo para Bernardo pegar um lugar para nós sentarmos e pergunto qual bebida ele quer, enquanto estou na fila.

Agora que voltei a escrever, esse mundo parece mais real ainda. Pessoas com seus notebooks, trabalhando; pedestres nas calçadas; carros nas ruas. Até o cheiro de café consigo sentir.

Peço dois frappuccinos de caramelo. Pego o dinheiro que está no bolso do meu uniforme e pago. O atendente me dá o troco e pede para que eu aguarde no balcão.

Um tempinho depois, ele me chama. Pego as bebidas e me sento na poltrona na frente de Bernardo. Entrego sua bebida e tomo um gole da minha. Tão bom quanto o mundo real! ''Será que eu pego um bolo red velvet? A cara dele tá maravilhosa!''.

- Aconteceu alguma coisa? – Ele pergunta preocupado.

- Não! – sorrio – Eu só queria te ver. O que achou do seu capítulo?

Seu rosto se suaviza. Deve ter achado estranho que eu o tenha tirado da sala de aula assim do nada.

- Eu gostei! Só achei um pouco estranho a sensação de estar sendo observado. Achei que era por causa do corredor cheio, mas, no final da noite, percebi que era você me acompanhando. Lina não acha isso estranho?

- Nain. Ela nasceu protagonista, por isso é imune a ''sensação de vigilância'' do autor.

- Faz sentido – Bernardo toma um gole do seu frappuccino – Deve ser meio enlouquecedor sentir isso o tempo todo.

Me recosto na poltrona e sento de perna-de-índio. Mais um cliente chega, pede alguma coisa, paga, e o ciclo de atendimento se segue. Olho para a vitrine de bolos, colocaram mais um lá. ''Será que eu peço um de cada?''.

- O que mais você gostou naquele dia?

Seu rosto fica vermelho e ele tenta disfarçar, tomando mais um gole da sua bebida.

- Almoçar com o pessoal no refeitório.

- Ah... – ''Será que ele não sabe o quanto dos pensamentos dele eu tenho acesso?'' – Aquilo foi bem legal! Hector e Emily são incríveis! Sou bem fã do Hector! Me tornei ainda mais quando ele deu uma lacrada no Zeke! Tão satisfatório, hehehe!

- Foi ele? – Bernardo franze o cenho, confuso – achei que tinha sido você quem fez ele dizer aquilo.

- Não... Eu não tenho poder sobre as atitudes de vocês.

Ele fica quieto, como se me pedisse para continuar. Junto as mãos.

- Eu não tenho poder nenhum sobre vocês – pausa para um gole nessa delícia de caramelo – só tenho poder de alterar o tempo, clima, estações do ano, e o curso da história. Porém, suas ações são algo que eu não tenho poder algum. Minha função nesse mundo é: criá-lo, definir o plot da história, quem são os personagens, e acompanhar o que vocês fazem.

- Hm...

- Pense em mim como um mestre de RPG. Lembra do Halloween?

- Sim.

- Lembra da sua briga com o Zeke?

Ele faz ''sim'' com a cabeça, envergonhado.

- Você tinha várias opções, entre elas: chamar um professor e falar ''olha, Zeke está ameaçando Lina, preciso que vocês tomem providência'', ou não seguir Zeke e ligar para o telefone de Lina (o que eu acho que seria beeeeem mais inteligente, mas enfim). Nenhuma delas envolvia sair no soco com ele e acabar trancado naquela sala. Aquilo me machucou de um jeito que você não tem noção.... Enfim! Deu pra entender que eu não posso controlar vocês? Eu jogo a situação e vocês têm o livre arbítrio de agirem como acharem melhor ou seguindo seus instintos e sentimentos.

- Deu pra entender.

Ele se recosta no sofá, cruzando as pernas como eu.

- Quero propor uma coisa – digo – você me permite que eu escreva mais pontos de vista seus?

- Claro! – ele sorri, feliz – estava pensando em te pedir isso, mas não sabia como! De certa forma... Foi reconfortante sentir você por perto.

- Fico feliz por saber! Ah! – me levanto – vou pegar bolo pra gente.

Vou ao balcão e peço uma fatia de red velvet, uma de limão, e duas colheres. Pago e volto para meu lugar. Divido as fatias, metade para mim, metade para Bernardo.

- Eu tô matando aula por sua culpa – ele finge desaprovar – Isso não é nada bom para mim.

- E você nem fica vermelho por fingir que não gostou! – retruco e rio – não tem problema, depois Lina te ensina. – Resisto ao impulso de provocá-lo e dizer que ela é a professora favorita dele. Acho que isso faria ele desistir de me deixar escrever sobre ele.

Dou uma mordida no red velvet. ''Ué? Ele tá sem gosto!''. Mais uma mordida, a mesma coisa. Hã?

- Parece que você está perto de acordar... – Bernardo avisa – Você vai voltar depois que escrever mais um capítulo, né?

- Vou! E você, trate de voltar pra escola! Se demorar mais, seu professor vai estranhar!

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⏰ Última atualização: Oct 11 ⏰

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Clarice, que não é, LispectorOnde histórias criam vida. Descubra agora