Clarice, que não é, Lispector

Capítulo 3

   No intervalo, Olívia está sentada ao meu lado, assistindo um MV do NeoCitizens 45. Enquanto isso, vou procurando na minha antiga conta de um site de fanfics a história que escrevi. Abro a página inicial e o sininho de notificação está com mais de 350 atualizações dos autores que eu gostava, novos capítulos, fóruns que eu participava.

Vou até a parte de "Minhas Histórias". Passo os olhos por alguns contos que criei até que acho o texto "Destino ou Coincidência?". Hm... Não acho que o nome seja um dos melhores, mas tudo bem.

" Viajante de Primeira Viagem

Uma rua deserta... O céu escuro... Árvores com folhas amareladas... Casas nos dois lados da rua... Alguém está atrás de mim. Isso explica o som dos passos, porém estou sozinha. Melhor continuar andando, apesar de estar com medo. Paro. Quem quer que seja que está me seguindo começou a correr. Decido me virar. "Talvez esteja com pressa". E... se for um ladrão ,vou gritar e tentar correr. Mas essa pessoa... é apenas alguém que reconheço, de algum lugar...

Abro os olhos, observando a fria luz azulada da manhã entrar pela janela. Apoio-me sobre o cotovelo e estico o braço em busca do celular. O relógio marca quatro e vinte e oito da manhã. Deslizo o dedo na tela, desbloqueando o telefone. Sinto o coração martelar no peito.

Acordei dois minutos antes que o celular tocasse. Salto da cama com o corpo cheio de energia. "Não acredito...". Um trêmulo sorriso forma-se em meu rosto. Minhas pernas vão em direção à escrivaninha de madeira no lado oposto do quarto. Só sei que estou me movendo por conta da sombra no chão, contrastada com a suave iluminação emitida pelo visor do celular.

Encima da mesa está minha mochila. Apenas uma parte da bagagem que vou levar nessa jornada. O celular toca, avisando que são quatro e meia. Vou até ele, desligo-o e acendo a luz do quarto. A claridade repentina faz com que eu cerre os olhos.

Volto à escrivaninha. Olho para a folha que está lá. Minha lista. Li e reli-a. Tirei e verifiquei e coloquei umas seis vezes os documentos na minha bolsa de mão. Ainda estou me sentindo estranha em relação a essa viagem... Nem parece real.

"Real ou não, você não pode perder a hora". Pego os sapatos e as roupas que deixei separadas e vou ao banheiro. Tomo um banho quentinho e me troco. Visto uma calça jeans, ponho uma blusa preta com gola V e o cardigan cinza escuro. Calço as meias e o all star vermelho.

No espelho, me deparo com a cara de quem acabou de acordar. Gosto do meu rosto meio amassado e um pouco mais redondo pela manhã, dos meus olhos escuros. Minha franja reta e um pouco bagunçada emoldura meu rosto. Meus cabelos repicados, castanho-escuro na altura dos ombros.

Me afasto um pouco para ver melhor como a roupa está em meu corpo. Muitas vezes, me sinto mal por ser gordinha. Mas hoje é um dos dias em que estou me sentindo linda! Irei para Cambridge realizar meu sonho de estudar lá e, a partir de hoje, não vou deixar esses pensamentos negativos me afetarem.

Saio do quarto para acordar meus pais e percebo que a luz da sala está acessa. Há um pouco de movimentação. "Provavelmente nem dormiram direito...". Nessa última semana, ficaram muito preocupados com minha viagem. Me perguntaram se eu estava com medo, se eu sabia o que fazer em determinadas situações, como eu ia me organizar financeiramente, etc.

Chego à sala e encontro minha mãe arrumando a mesa para o café da manhã.

- Bom dia! – falo e a abraço forte.

- Bom dia – ela responde. Seu rosto parece cansado. Os cabelos negros com poucos fios brancos estão um pouco bagunçados, mas mesmo assim eu a acho bonita – está ansiosa?