Capítulo 22

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De novo, estou deitada no jardim de Lina. Nuvens cinzentas e pesadas cobrem o céu. Uma brisa fria e com cheiro de terra anuncia que a chuva chegará em breve. Me apoio em meus cotovelos e aprecio a paisagem outonal e pacífica das árvores com folhas amareladas e terracota. Mais uma vez o vento sopra. Algumas folhas caem e voam sobre o asfalto, rodopiando e farfalhando.

Me levanto e passo a mão pelo meu corpo para tirar a sujeira, mas, de novo, estou usando o mesmo uniforme impecável dos meus personagens. Vou em direção a porta e toco a campainha.

Ouço o som de alguém correndo até a porta. Click! O trinco se abre e uma Bonnie com pijama de coraçãozinho, a irmã gêmea de cabelos soltos, me olha confusa.

- Ué, Lina? Por que você tá de uniforme? Hoje é sábado - ela diz, abrindo mais a porta e me convidando para entrar.

Fico feliz em vê-la depois de tantos anos e sinto vontade de apertar suas bochechas fofas. Isso seria estranho. Ela não sabe quem sou eu, ou sabe, mas não se lembra.

- Eu não sou a Lina - digo - meu nome é... Emma, sou colega de classe da Lina. Ela está?

Bonnie arregala seus olhinhos castanhos e bate a porta na minha cara. "Deve ser mal de família". Escuto a voz assustada de uma mulher (que acredito ser Jaqueline) do outro lado:

"O que foi, Bonnie?"

"Mamãe, tem uma moça lá fora que parece com a Lina!", diz Bonnie ansiosa, "E ela quer falar com a Lina!", "Lina tem uma irmã gêmea?"

Os passos se aproximam da porta e Jaqueline a abre.

- Bom dia - ela me cumprimenta. Seus cabelos encaracolados estão presos num coque bagunçado, e ela está vestindo um pijama de inverno que parece ser bem confortável - peço desculpas pela minha filha, ela achou que você fosse outra pessoa.

- Tudo bem - sorrio - meu nome é Emma... Brown... e eu queria falar com Lina. Ela está? Perdão por incomodá-los tão cedo, mas é um assunto um pouco urgente.

Jaqueline parece um tanto atordoada, mas sorri e me convida para entrar.

- Lina teve de ir à mercearia, mas voltará logo. Quer esperá-la aqui? Acho melhor. Já já vai chover. Vem, pode entrar - ela me oferece um sorriso acolhedor e um par de chinelos felpudos para que eu possa usá-los dentro de casa - fique a vontade, por favor. Pode ficar na sala enquanto isso - Jaqueline me indica o caminho - Enquanto isso, gostaria de um chá?

- Ah, não precisa, não - recuso - não quero incomodar.

- Não se preocupe com isso, querida! É muito bom ter você aqui!

- Obrigada - respondo acanhada.

Entro na sala, que está iluminada com uma luz amarelada, quentinha. Bernardo está esparramado no sofá, segurando o controle remoto com uma cara entediada. Os canais mudam várias e várias vezes, intercalando entre notícias, programas culinários, desenhos animados e canais de esporte.

- Com licença - falo.

Meu personagem estica a cabeça para me olhar. Demoram dois segundos para ele perceber que não sou Lina. Bernardo senta-se rapidamente, envergonhado.

- Posso me sentar? - indico o canto do sofá ao seu lado.

Ele faz que sim com a cabeça e desvia o olhar para a mesinha de centro. Me sento. Os comentarista do jogo de futebol na televisão riem de uma piada que não entendo. O relógio tiquetaqueia. Começou a chover lá fora. Crispo os lábios, sem saber o que fazer.

Clarice, que não é, LispectorOnde histórias criam vida. Descubra agora