Capítulo 4

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Eu e o Garoto do Avião

"Ele não parece ser artista de TV ou algum cantor...".

"Não parece mesmo. Ele é idêntico ao seu futuro colega de classe, Clarice do passado", penso.

" Toco o queixo, analisando seu rosto retangular e magro. O garoto a minha frente tem uma pele branca como papel. Seus cabelos cacheados são tão escuros que chegam a parecer negros. O jovem respira tranquilamente, com os lábios entreabertos. Não sei dizer se é bonito ou não. "Esquisito...". Não entendo... Tenho um estranho pressentimento sobre ele."

Recosto-me na janela do metrô e relembro da mesma sensação que tive ao ver Bernardo, quero dizer, Arthur, hoje de manhã. Talvez essa sensação tenha sido ocasionada por essa história. "Muito provável".

Balanço a cabeça e me afasto de qualquer possível devaneio. "Só tenho mais dez minutos até a estação Vila Prudente. Tenho que terminar antes".

"Então o garoto se mexe. Disfarço e sigo o caminho. Meu rosto parece queimar de vergonha. Bem... eu estava "observando-o fixamente", mas (além de tentar reconhecê-lo) aquele garoto tinha feições interessantes e eu preciso perceber todos os detalhes para escrever e me tornar uma escritora.

É. Isso foi para que eu possa me melhorar. "E para bancar a estranha, né Lina?". Uhn... E se ele me viu? Ah, não importa. Nunca mais o verei.

Chegando à cozinha improvisada, peço um copo de água para a aeromoça. O espaço pequeno está cheio de armários e há mais alguns comissários de bordo preparando o almoço. O cheiro da comida esquentando no micro-ondas faz meu estômago roncar.

.....

- Atenção, senhores passageiros: procedimento de pouso – a voz robotizada do piloto soa pelos alto-falantes –Por favor, coloquem seus cintos e aguardem mais informações. Estamos chegando ao Cambridge International Airport. São oito e vinte da manhã, horário local. A temperatura é de 18 graus celsius. Cai uma chuva fraca sobre a cidade.

Meu coração começa a acelerar conforme o avião vai perdendo altitude. Meus ouvidos entopem com a pressão e engulo em seco. "Ai, meu Deus...!". Faz poucos minutos que eu acordei, mas parece que não dormi nada. Meu corpo está dolorido pelo tempo em que fiquei deitada nessa poltrona apertada (E também porque, em grande parte da viagem, fiquei tensa pelos mais diversos motivos).

Pela janela, vejo o chão se aproximar. Casas, prédios e a pista de pouso tornam-se maiores. O avião aterrissa, dando um pequeno tranco que me assusta. "É agora!". O som dos freios é alto e estridente. A aeronave sacoleja levemente enquanto manobra para que os passageiros desçam na plataforma.

O piloto agradece a viagem e avisa que já podemos tirar os cintos. Logo após esse anúncio, as pessoas começam a sair de seus lugares, pegando as malas no compartimento acima dos assentos. A porta ainda não abriu, mas o corredor está congestionado com passageiros apressados e malas grandes. "Gente do céu, será que não vêm que assim fica difícil de sair?".

"Relaxa, Lina. Metrô em horário de pico é bem pior. Acredite em mim".

Continuo sentada, esperando o avião esvaziar mais. "Está mais que comprovado que os seres humanos possuem fortes tendências a complicar situações simples". Solto um suspiro impaciente e entrelaço meus dedos gelados. Abaixo a cabeça apoiando-a no encosto do banco da frente. "Ah! É verdade!".

Pego o celular na bolsa, tirando-o do modo avião. O arquivo "Sobreviva a Qualquer Aeroporto Internacional" feito por tia Sofia deve ser de grande ajuda. Quase que me esqueço dos tantos esquemas de segurança pelos quais terei de passar.

Clarice, que não é, LispectorOnde histórias criam vida. Descubra agora