Olhe para mim...

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"Você é meu regresso(...). Quando estou com você e estamos bem juntos, não há nada que eu queira além disso. Você me faz gostar de quem eu sou, de quem me torno quando você está comigo. Se existe alguma verdade no mundo, ela existe quando estou com você(...)"

                 -Me Chame Pelo Seu Nome
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Wriothesley e Neuvilette se encontravam na residência dos participantes, o dia fora bastante causativo, entre as tarefas que eles foram designados a fazer e o treinamento diário.

Os dois estavam deitados nas pequenas camas. Neuvillette encarava o teto com olhos inescrutáveis, enquanto o sol alaranjado do entardecer entrava pelas pequenas frestas no teto da cabana...

O outro permitiu que seu olhar vagasse, nos últimos tempos ele não conseguia deixar de notar ou pensar como seu amigo florescera com uma beleza invejável que deixaria qualquer um admirado... E não era só isso, sua postura também era impecável, como se ele tivesse crescido entre os lordes mais abastados do reino...
Embora a única presença elegante que ele realmente conhecera fora o próprio Wriothesley.

Ele não era tão elegante quanto gostaria, tinha modos um pouco brutos e era facilmente irritável, precisava trabalhar para melhorar isso.

O garoto virou os olhos azuis como o oceano sagrado de Mints...
Como... Ele queria perder-se neles... O amigo pensou e pensamento o assustou, ele engoliu em seco, tomando consciência daquele calor que crescia em seu peito cada vez que o mirava...

Wriothesley virou o rosto sentindo embaraço pela primeira vez e aquilo o assustou.

-Não. -Ouviu o outro dizer...

-desculpe? Eu... Não entendi.

-Olhe para mim... -sussurrou. Neuvillette começou, mas as palavras morreram antes que ele pudesse dizer que a cada vez que Wriothesley o encarava daquela forma ele se sentia como alguém importante e como se tivesse um lugar -alguém- para onde voltar, independente do que acontecesse... Ou de quais batalhas ele fosse forçado a travar, encontraria repouso naqueles olhos gentis e honestos da pessoa que ele mais amava nesta vida... E depois dela, se assim fosse permitido.

Duas batidas bruscas na porta os fizeram levantar-se assustados. Neuvillette foi atender e encarou os dois guardas parados com uma armadura quase cristalina e trajes brancos puros como a neve.

Não lembrava de já tê-los visto, mas havia uma sensação de reconhecimento que o fazia duvidar de si mesmo.

-Sr. Neuvillette? -Um dos homens perguntou com a voz carregada de uma doçura enjoativa.

-Sim? -Respondeu, enquanto a brisa noturna chegava para agitar seus cabelos claros.

-Sua majestade solicita sua presença. - o outro guarda respondeu seriamente.

-Devo ir também! -Wriothesley se apressou.

-Não. O Rei pede que o senhor Neuvillette vá sozinho. - Acrescentou sisudo.

Wriothesley preparou-se para dizer algo, mas o amigo o silenciou.

-Está tudo bem. Eu não devo demorar. -acalmou o outro.

Nenhum deles percebeu, mas um dos guardas deixou escapar um sorriso cheio de deboche. Alguns minutos depois, Neuvillette estava a caminho do palácio de ouro, onde sua majestade, o rei o aguardava.

Depois de caminhar entre corredores pouco iluminados e chegar diante de uma porta grande, com ornamentos dourados que imitavam o brasão real, um dos guardas se dirigiu a ele.

-Entre.

As portas se abriram e ele se viu diante de um aposento gigantesco... As paredes eram pintadas de azul claro, com padroes dourados e um lustre grande ricamente ornamentado... Em um dos cantos haviam mais duas portas e o restante do quarto estava decorado  com vasos estravagantes e pinturas no estilo renascentista... Alguns potes de tintas repousavam abertos e os pincéis ainda sujos descansavam sobre um avental claro.

A cama possuía um dossel com lindas peças de seda clara. Sua majestade repousava com um livro entre as mãos, as portas da varanda estavam abertas, uma brisa fresca adentrava o quarto... O homem ergueu os olhos frios e encarou o menino.

-Neuvillette... É um nome peculiar... - ele fechou o livro e levantou-se, usava um roupão de linho fino e nada mais. Possuía um cheiro doce e almiscarado, exalava um frescor de quem acabara de tomar banho. Aproximou-se serenamente...

-O que acha que eu quero fazer com você? - O rei perguntou.

-Eu não sei, não tenho muita habilidade em ler as pessoas ou seus sentimentos, me desculpe, majestade. -admitiu.

O homem riu e Neuvilette percebeu que ele havia se despido de toda a frieza que apresentava antes.

-Me chame de Zarian... -Depois de um tempo que pareceu muito longo, ele perguntou.- Você já odiou uma versão de si mesmo? Uma da qual não pode se livrar?

-Acho que ainda odeio, embora no fundo eu não compreenda a razão de eu ser assim... Deve haver uma razão... Não é? - respondeu reflexivo.

-Sempre há... Embora seja desconfortável usar uma máscara por tanto tempo. Às vezes você chega a se perder de quem era... - Zarian completou.

-Sei que, enquanto houver alguém que acredite na sua capacidade de ser bom... Enquanto houver alguém que acredite em você...  -Neuvillette não completou, mas seu pensamento voltou-se para o seu amigo.

O rei sorriu. E aquele era um sorriso triste... Seus pensamentos voltando-se para cabelos cinzentos e uma pele pálida que ele sentira tanto prazer ao tocar e desejava tocar de novo.

-Não há - Disse por fim.

Neuvillette não sabia o que dizer, nunca se imaginaria daquela forma, enquanto Wriothesley existisse ele permaneceria ao seu lado e acreditaria nele, em quaisquer circunstâncias. Mesmo quando ele demonstrara suas habilidades, ele não se afastara, podia sentir medo, é claro, ele era humano. E mesmo assim, apesar de tudo ainda continuava ali e continuaria enquanto Neuvillette existisse.

-Posso pintá-lo? - Zarian perguntou por fim... -Ele nunca me deixou pintá-lo e por mais que eu tente, não consigo reproduzir a beleza dele, pelo menos não dá forma que eu o vejo. Há uma espécie de luz que está sempre ao redor dele e eu não ousaria chegar perto daquilo, não com estas mãos... -Ele encarou as mãos. -E você parece com ele, talvez eu consiga...

Neuvillette assentiu silencioso.
E sentou-se na varanda, conforme orientado pelo Rei, que naquele momento era nada menos que Zarian.
Sua postura era impecável e conforme sua majestade trabalhava naquelas feições mais ele via o semblante de seu amado, aquele que era como a lua, com sua beleza soturna e melancólica, mas que quando sorria carregava toda a ternura de um dia ensolarado.

Depois de duas horas, ele terminou.

-Sabe o que as pessoas vão dizer de nós, não é? - Zarian disse por fim. - apenas ignore, se ouvir algum burburinho, pelo menos isso vai lhe garantir certa proteção pelos dias em que ficar aqui.

O rei se dirigiu a um baú e pegou um pingente velho e quebrado... Neuvillette o acaricou suavemente e era como tocar o mar... Um grande mergulho em àguas frescas em um dia de verão.

-Eu imaginei que isso lhe pertenceria... -Havia certa ternura na voz do rei. Com essas palavras ele fechou-se em si mesmo e não disse mais nada, ficou cantarolando uma canção que Neuvillette julgara já ter ouvido, mas não lembrava de onde.

O Oceano Sagrado e a Máscara da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora