As areias do tempo estão escoando

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"Os fantasmas sempre nos alcançam, é impossível trancá-los do lado de fora. Eles simplesmente atravessam a porta, mesmo que esteja fechada."

                            -A Estrada da Noite

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A lua brilhava alto no céu quando Wriothesley ouvi o outro Bater na porta. Não haviam segredos entre eles então Neuvillette relatou tudo que acontecera para seu amigo e lhe mostrou o pingente que ganhara.

-Não sei não... Mas... Tem algo que preciso admitir para você. - Wriothesley encarou o obejto por mais tempo do que imaginara.

Ele coçou a cabeça, antes de começar seu relato.

-Quando ainda vivíamos no orfanato, eu já planejava ir embora com você, por que... bem... Eu ouvia o que o diretor dizia... Então eu fui a sala dele e peguei algumas coisas...

-Você roubou? -Neuvillette perguntou, mas sem o repreendê-lo.

-Claro que não, ele nos devia, por termos suportado a presença desagradável dele sem morrer. -Neuvillette refletiu. - Vamos chamar de reparação. -Prosseguiu.

-Enfim, ele tinha algumas coisas que eu achei que poderia nos servir, um relicário, que eu vendi na feira, um bule, alguns livros...

Neuvillette esperou que o outro continuasse. -Em um desses livros haviam papéis muito, muito antigos. Curioso como sou acabei lendo-os e no primeiro momento eu não entendi muito o que aconteceu ou o que significavam, mas agora...

-A primeira página continha uma série de nomes minúsculos, parecia ser o nome de todos os governantes de Mints, mas não fazia sentido, Pois o país não é tão velho para possuir tantos reis, e na página de trás havia um símbolo. Ele traçou no chão  ¥ .

Era o mesmo símbolo do relicário.

-Você sabe de onde é? - o outro suspirou.

-Você já ouviu falar no povo da água?- indagou com paciência.

-Claro, são as sereias, as ondinas e as ninfas, mas ninguém realmente sabe se são reais... -Neuvillette respondeu ainda tentando entender onde o outro queria chegar.

-Mais adiante nas páginas seguintes havia outra coisa escrita. Parece que há muitos séculos, bem antes de Mints existir como conhecemos, o povo do mar era protegido pelo espiríto celestial da água, segundo as descrições algumas vezes ele possuía a aparência de um dragão, em outras a de um sirenio e às vezes ele era o próprio oceano. Dizem que ele despiu-se dessa aparência pois havia protegido os seus, sacrificando o seu corpo físico para que o povo do mar se tornasse invísivel e intocável, pois na época alguns mercenários estavam traficando quantas sereias e ninfas pudessem pegar para a venda entre os humanos.
Depois disso ele desapareceu... Para sempre.

-Desculpe, o que isso tem ligação com a nova personalidade estranha do rei?

-Aí é que entra outra personalidade... Se havia um espiríto protetor do povo do mar, também haveria um espiríto protector do povo da terra, Diferente deste outro ele era uma personalidade difícil, representada por um homem grande usando uma máscara, que  nunca poderia tirar. Quando alguns sirenos começaram a buscar vingança contra os humanos, ele fez um acordo com o primeiro rei de Mints, prometeu que o seu povo permaneceriam para sempre seguro, mas teriam de compartilhar da mesma dor que ele sentia todos os dias.

-E o que seria? -Neuvillette perguntou com interesse.

-Eu não sei... Ninguém sabe, eu acho... Talvez o próprio rei saiba, mas quem garante que ele vai falar sobre? - o amigo deu de ombros.

-acha que a máscara que ele falou que era forçado a usar tem algo a ver com o tal espiríto da terra?  - continuou.

-Imagino que sim, mas é só especulação... -Enfim, pode ser que nada disso seja real, mas não muda o fato de que ainda acho que você deve ter alguma ligação com o povo do mar...

-Por que nunca me falou antes? -o outro franziu o cenho

-Pra ser sincero, não sei, não parecia o momento, mas fico feliz que vocês... -Ele pigarreou. - Claro que eu mataria ele se te forçasse. -admitiu levemente corado e claramrnte irritado.

Neuvillette sorriu.

-Venha, vamos dormir, já está tarde. -O outro assentiu e foi recolher-se, antes de mergulhar nas àguas profundas do sono.

Neuvillette sentia-se flutuando, mergulhando em um oceano profundo. Aquele a que chamavam de Oceano Sagrado, onde não se podia ir além, pois coisas muito ruins poderiam lhe acontecer.

Ele ouviu uma voz sussurrando no vazio, mas não conseguia entender, seu peito parecia gelado e pesado, como se algo afundasse sobre ele...

Uma voz melodiosa e profunda começou a sussurrar.

Quão perdido está? Uh uh
Caminhando em um mundo sem salvação
Que vergonha...
As areias do tempo estão escoando
E não há tempestades
Numa montanha gelada
Que derrete quando o Fogo lhe aquece
E de novo retorna a água

A Ultima coisa que ele viu foi o riso de uma coisa escamosa e olhos vermelhos como Sangue... Havia algo mais, mas ele perdeu o foco e acordou subitamente.

Sentindo o corpo molhado de suor, o pingente repousava em cima do baú, mas em algum momento da noite, ele sentiu que o usara, confuso, ele apenas ficou encarando o teto antes de decidir levantar.

Pegou um pouco de água e pôs para aquecer, ouvindo o gorjear dos passaros.
Não estava preparado para encarar o dia que o aguardara, seu desejo era ficar por ali, descansando, pois seu corpo parecia pesado e se encontraca exausto, como se tivesse andado por muito tempo.

O sol alaranjado despontou no horizonte e ele sentiu a presença reconfortante e o calor matinal o atigir, colocou algumas folhas no bule e foi acordar Wriothesley...

Seu rosto era sereno, e ele parecia dormir profundamente, Neuvillette tocou suavemente a testa do amigo e sorriu ao vê-lo murmurar algo inaudível, segurou seu ombro e o chamou baixinho.

-wriothesley? - ele esperou alguns minutos.

-Hum ? - o outro murmurou.

-está acordado? -continuou.

-Hum - Assentiu a contragosto.

-Parece que não... -Neuvillette refletiu distraidamente.

Naquele momento Wriothesley levantou-se repentinamente e agarrou o amigo pela cintura, derrubando-o sobre a cama, exatamente como costumava fazer desde que eram crianças. Era uma brincadeira boba, mas sempre fazia o outro rir.

Depois de longas gargalhadas, mais por parte de Wriothesley, Neuvillette era mais contido, eles se encararam e de novo veio aquela sensação de embaraço... Alguma coisa mudara entre eles, Talvez a consciencia de que não eram mais crianças.

Seus corpos respondiam de outra forma aquela intimidade que estavam acostumados.

Neuvillette ouviu a chaleira apitar e Wriothesley levantou-se repentinamente, afastando aquele calor que crescia dentro dele. Foi até a mesinha e serviu duas xícaras de chá, e esperaram -ignoranto aquele sentimento de que o lugar parecia menor- que o desjejum chegasse .

O Oceano Sagrado e a Máscara da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora