Ecos do silêncio

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Um silêncio opressivo tomou conta de tudo.

Começou em casa, onde meus pais mal se olham e quase não se falam. Meu pai chega tarde do trabalho muitas vezes bêbado, no começo, minha mãe o questionava, acontecia muitas brigas mas agora se calou. Minha mãe segue uma rotina monótona, acorda cedo, leva meu irmão Ryan à escola, trabalha como professora de história, chega em casa cozinha e dorme. Ryan, que antes era alegre e brincalhão, agora se isola, e mesmo quando tento conversar, suas respostas são curtas e frias.

Quanto a mim, mergulhada em melancolia, esse cenário não me afeta; apenas sigo minha vida. Pego minha bolsa e casaco, e saio para o trabalho na cafeteria.

Ao abrir a porta, um vento gelado atinge meu rosto, saio escuto um barulho vejo que pisei em algo e olho para baixo, uma carta e uma caixa pequena, ambas com a inscrição "Para minha querida Alice". Estranho, muito estranho quem poderia me enviar isso? Não tenho amigos próximos, muito menos namorado. Curiosa, pego a carta e a abro. As letras em vermelho sangue dançam na página, intensas e apaixonadas.

**Cara Alice,**

**Poderia eu te-la em volta dos meus braços? Acariciar seus cabelos e beijar sua boca é minha vontade, ver você sorrir junto a mim. Te digo que estou perdidamente apaixonado por você, é tudo sobre você, tudo que faço. Tem sido difícil te admirar de longe.**

**Logo logo, estaremos juntos para sempre.**

**

**Com carinho, ////////////**

O nome de quem escreveu está borrado, mas as palavras vibram em mim, despertando uma mistura de felicidade e medo. Alguém me ama? Isso é emocionante, mas também perturbador. O que essa pessoa realmente quer de mim? Sinto um arrepio percorrer minha espinha ao pensar na possibilidade de estar sendo vigiada.

Fecho a carta e coloco-a na bolsa, junto com a caixa. Decido que, antes de ir para o trabalho, preciso entender melhor essa situação. Volto para dentro de casa e, rapidamente, me dirijo ao meu quarto. A caixa é pequena e leve. Ao abrir, descubro um colar delicado com um pingente em forma de coração.

Sinto meu coração acelerar. Esse gesto é doce, mas inquietante. A ideia de alguém me admirando à distância é ao mesmo tempo lisonjeira e aterrorizante. O que mais essa pessoa sabe sobre mim?

Pego meu celular e dou uma olhada nas redes sociais, mas não vejo nada que indique quem poderia ser. A mensagem fica martelando na minha cabeça enquanto saio para o trabalho.

O dia na cafeteria passa lentamente. Entre um cliente e outro, vejo o detetive Jhon, amigo de trabalho do meu pai. Ele me vê e sorri.

- Alice, há quanto tempo! Como vão as coisas? - pergunta ele, com um brilho nos olhos.

- Olá, Jhon! Tem sido corrido ultimamente, mas sigo bem. E você?

- A mesma coisa. E a faculdade?

Esse era um assunto complicado. Comecei a faculdade de fotografia, mas tive uma crise existencial e acabei fechando o curso. Não sabia o que fazer e nem para onde ir, mas, com confiança e um pouco de mentira, digo a Jhon:

- Está indo, já para onde não sei.

Damos uma gargalhada, e seu olhar se fixa no meu. Sinto meu rosto esquentar. É engraçado como a presença dele traz um pouco de conforto em meio ao caos que tem sido minha vida.

- Uma xícara de café, por favor - ele diz, e eu anoto seu pedido e saio.

Enquanto preparo o café, não posso deixar de pensar no quanto ele parece diferente, mais maduro. É estranho como a conexão entre nós ainda persiste, mesmo após tanto tempo sem nos vermos. Volto à mesa com a xícara fumegante e a coloco à sua frente.

- Aqui está! - digo, tentando esconder a timidez.

- Obrigado, Alice. Você sempre foi a melhor garçonete que conheço.

O elogio me faz sorrir. A conversa flui com naturalidade, e me sinto mais leve. Jhon me pergunta sobre meu irmão e meus pais, e eu compartilho um pouco sobre a situação em casa, tentando manter as coisas leves.

- Sabe, se precisar conversar sobre qualquer coisa, estou aqui - ele diz, e sua voz é serena.

Agradeço, mas uma parte de mim hesita. Não quero sobrecarregá-lo com meus problemas. No entanto, sinto que Jhon tem algo a mais a dizer.

- Aliás, ouvi rumores sobre alguns incidentes na cidade - ele menciona, a expressão mudando ligeiramente.

Meu coração acelera. O que ele sabe?

- Incidentes? - pergunto, tentando manter a voz tranquila.

- Coisas estranhas, algumas que envolvem os cidadãos... apenas tenha cuidado, certo?

Sinto um frio na barriga. A carta, as mensagens enigmáticas, tudo isso começa a se entrelaçar com o que Jhon diz.

- Vou ter cuidado, sim - respondo, mas minha mente está distante.

No fim do dia, assim que fecho a cafeteria, pego meu celular e olho para a carta novamente. A caligrafia perfeita e as promessas obscuras me desafiam a descobrir quem me enviou essa carta.

Voltando para casa, uma nova cor começa a surgir em minha vida cinza. Ao chegar, vejo minha mãe cozinhando e decido puxar assunto.

- Oi mãe, tudo bem com você?

Ela para tudo o que está fazendo e se vira lentamente, o olhar um pouco assustador. Ignoro isso.

- Ótima, e você? - responde, com a voz vazia e sem emoção.

- Vi Jhon hoje no trabalho.

- Aquele nojento! Vive acobertando as merdas que seu pai faz, um lixo.

O clima pesa instantaneamente. Ela volta a cozinhar, e eu, sem saber o que dizer, me viro e vou em direção as escadas. Ao passar pelo quarto do meu irmão, vejo que ele está jogando no tablet, em um completo escuro dá pra ver somente seu rosto.

- Oi, Ryan, como foi a escola hoje?

- Boa.

- E seus amigos?

- Estão bem.

- Precisa de alguma ajuda com o trabalho da escola?

- Só não me enche.

Fico quieta e sigo para meu quarto. Assim que fecho a porta, sinto a pressão do dia se acumular. Pego a caixinha e me sento na cama. Ao abrir, o colar brilha, e por um momento, a beleza dele me faz esquecer a confusão ao meu redor.

Passo os dedos sobre o pingente em forma de coração, e uma onda de sentimentos toma conta de mim. O que essa pessoa realmente sente? Será que é apenas uma fantasia, ou há algo mais profundo por trás daquelas palavras?

Coloco o colar ao redor do pescoço e me olho no espelho. A peça é delicada e parece carregar uma energia própria. Coloco a caixinha de volta na gaveta, guardando o colar como um amuleto, penso em Jhon e nas palavras da minha mãe. O que será que está acontecendo de verdade?

Tomo meu banho, coloco meu pijama e deito na cama, respirando fundo. Todo esse estresse me fez perder a fome, então decido dormir. A casa está em silêncio, mas logo escuto o barulho de uma porta se abrindo lá embaixo. Deve ser meu pai. Um sono profundo me invade, e fecho os olhos com dificuldade.

Então, escuto passos no corredor. Os passos se aproximam, e a porta do meu quarto se abre. Esforço-me para abrir os olhos, mas estão pesados demais. No entanto, vejo um relance, um homem muito alto parado no canto. Um medo profundo me invade, e em um instante, tudo se apaga.

Sombras do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora