Faísca da resistência

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Minhas mãos batem no teclado. No início, hesitantes, mas logo a timidez passa, e as palavras começam a surgir na tela. As ideias irrompem, e não demora para que eu me veja diante de um longo texto.Minhas mãos tremem enquanto levo a seta do mouse em direção ao grande botão em negrito que diz "Publicar". Quando o clique ecoa, uma enorme carga parece sair dos meus ombros. Era um começo.

Deito-me na cama e tento dormir, mas meus pensamentos não param. Não consigo deixar de me perguntar: será que o que estou fazendo é uma perda de tempo? Será que as pessoas vão ler? Será que vão comentar? A dúvida me atormenta, girando na minha cabeça como se cada pergunta fosse uma onda batendo contra mim, uma após a outra.

Reviro-me no colchão, encarando o teto. Talvez eu esteja me iludindo, esperando que palavras possam mudar alguma coisa. Mas, ao mesmo tempo, uma pequena voz dentro de mim sussurra que preciso continuar. Que isso pode ser o começo de algo maior. Meus olhos começam a ficar pesados, e a exaustão finalmente vence a inquietação. Os pensamentos vão se distanciando, ficando mais vagos, e, antes que perceba, o sono me puxa para um lugar mais tranquilo, onde as perguntas cessam e o silêncio toma conta.

Na manhã seguinte, acordei com uma sensação estranha, uma mistura de hesitação e determinação que pesa em meu peito. O sol mal havia nascido, mas minha mente já estava a mil, revivendo as dúvidas que me assombraram antes de dormir. Ainda deitada, fiquei encarando o teto, tentando reunir coragem para sair da cama. Era como se uma parte de mim quisesse ficar ali, escondida do mundo, enquanto a outra sabia que algo precisava ser feito. Eu sabia que teria que sair da minha zona de conforto, mesmo com a ansiedade apertando o peito.

Levantei devagar, cada movimento parecendo mais difícil do que deveria ser. Vesti-me rapidamente e, depois de um café apressado, saí de casa. A cada passo na rua, sentia o ar pesado ao meu redor, como se o próprio ambiente estivesse me pressionando. O barulho da cidade me atingia como um martelo: sirenes, buzinas, vozes apressadas. As pessoas passavam por mim com a mesma expressão cansada, ombros curvados e olhares vazios.

Enquanto caminhava, meus olhos começaram a notar o que antes eu sempre tentava evitar: a violência que se espalhava pelas ruas como uma sombra invisível. Vi um grupo de jovens discutindo acaloradamente numa esquina, enquanto, logo à frente, uma senhora tentava vender frutas num carrinho quase vazio. Um homem, maltrapilho e com os olhos fundos, pedia trocados perto da estação de ônibus, ignorado por todos.

Mais adiante, dois guardas do governo, em seus coletes completamente brancos e capacetes que cobriam o rosto, estavam parados perto de uma banca de jornal. Eles pareciam conversar entre si, mas sua presença era uma ameaça constante. De vez em quando, seus olhos impessoais varriam a multidão, e qualquer um que passasse perto apressava o passo, tentando não chamar atenção. Quando um homem esbarrou de leve neles, sem querer, o guarda apenas deu um olhar frio antes de seguir em frente, sem palavras, mas o gesto era suficiente para intimidar.

Senti o familiar aperto no peito, como se o peso do mundo estivesse nos meus ombros. Perguntei a mim mesma se teria coragem de falar com alguém. Minha mente já começava a formar desculpas: "E se eu gaguejar? E se eles me acharem estranha?" As mesmas perguntas de sempre, tentando me paralisar. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que precisava entender mais o que as pessoas estavam vivendo, suas dores, suas histórias. Isso poderia dar vida às palavras que eu escrevia no blog, trazer mais sentido ao que eu estava tentando fazer.

O som dos passos apressados, dos gritos abafados e do silêncio dos guardas pairava no ar, como se o mundo seguisse, indiferente à dor invisível que se espalhava à nossa volta.

Respirei fundo e continuei andando, os olhos fixos no caminho à frente, enquanto minha mente lutava contra o medo e a vontade de agir.

Caminhei pelas ruas com um aperto no peito que não sabia se vinha do medo ou da raiva que sentia desde que saíra de casa. O fluxo de pessoas era denso, todos se apressando, olhando para o chão ou para os próprios pés.

Eu me esforçava para respirar fundo, tentando acalmar o coração que batia forte. A cada passo, sentia a tensão acumulada em meus ombros, como se algo estivesse prestes a acontecer, algo que eu não podia evitar.

No meio da praça à frente da estação, algo chamou minha atenção. Havia um tumulto. No começo, pensei que fosse mais uma briga entre moradores de rua, mas logo percebi que era algo muito pior.

Um guarda do governo estava gritando com um homem idoso que parecia mal se aguentar em pé. A voz do guarda era alta e autoritária, enquanto ele empurrava o velho para longe com violência.

Congelada, a cena parecia acontecer em câmera lenta. O guarda gritava insultos enquanto levantava o cacetete. O idoso tentou se proteger, encolhido, mas suas pernas bambas não o sustentaram, e ele caiu no chão com um gemido fraco.

Eu sabia que devia continuar andando, que não devia me meter. "Isso não é problema seu," meu cérebro gritava, enquanto meu corpo tremia inteiro. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim estalou.

Uma faísca, uma indignação crescente que eu não podia mais conter. Tudo o que vinha segurando por tanto tempo – a frustração, o cansaço, a raiva contra um sistema que maltratava os mais fracos – explodiu de uma vez só. Sem pensar, corri na direção deles.

"Pare!" gritei, minha voz ecoando mais alta do que jamais imaginei que pudesse. O guarda se virou, surpreso com a interrupção. Mas eu não parei. Meu corpo agiu antes da minha mente. Quando o guarda levantou o cacetete novamente, joguei-me sobre o idoso, envolvendo-o em meus braços, como se pudesse usar meu próprio corpo para bloquear os golpes.

Os primeiros impactos me atingiram em cheio. A dor foi imediata e aguda, o cacetete batendo em minhas costas e ombros. Senti o ar ser arrancado dos meus pulmões, mas não soltei o homem. Meu coração disparava, e as lágrimas brotavam em meus olhos, mas eu não conseguia soltar.

De repente, o próximo golpe não veio. No momento seguinte, senti braços ao meu redor. Um homem havia se lançado sobre meu corpo, protegendo-me dos golpes. Ele tinha uma estrutura forte e me segurava com firmeza. O guarda estava cego de raiva, desferindo golpes com seu cacetete, mas agora a fúria dele se voltava contra aquele homem, que estava determinado a me proteger.

Os golpes continuavam, cada um mais brutal que o anterior. Eu ouvia o som surdo dos impactos, mas não conseguia tirar os olhos do idoso, que ainda estava encolhido no chão. A presença do homem ao meu lado era um misto de conforto e pavor. Ele estava sendo ferido por causa de mim, e isso me deixava ainda mais angustiada.

As batidas do cacetete ecoavam no ar, e a dor se tornava insuportável. O homem estava sendo atingido várias vezes, cada golpe parecendo ser um grito de resistência contra a opressão. Eu sentia a culpa se acumulando, misturada com a raiva que ardia dentro de mim.

Finalmente, um outro guarda chegou, segurando o braço de seu colega e impedindo que ele continuasse.

"Já chega!" ele gritou, sua voz ecoando no ar pesado da praça. O som dos golpes cessou, mas o estrago já estava feito.

Ainda encolhida, mal conseguia respirar. O homem que me protegera caiu ao meu lado, sem forças. Seu rosto estava coberto de sangue, os olhos entreabertos, ainda vivo, mas completamente exausto. O idoso, que eu abraçava com todas as minhas forças, começou a soluçar baixinho, murmurando palavras que eu não conseguia entender.

A multidão ao redor se aproximou, revoltada. Alguém gritou que os guardas eram monstros, outra pessoa chamou por socorro. A tensão no ar era palpável, como se algo maior estivesse prestes a explodir.

Ainda em choque, olhei para o homem que me protegera. Seu rosto era um misto de dor e coragem. Nossos olhos se encontraram por um breve instante, e ele, com um esforço enorme, sorriu de leve, como se quisesse dizer que tinha valido a pena.

Senti o peso das emoções me invadindo de forma quase esmagadora. Culpa, raiva, medo, gratidão – tudo misturado, tudo explodindo dentro de mim de uma só vez. As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto, enquanto minha visão começava a se turvar novamente. Eu sabia que aquele momento mudaria tudo. E, naquele instante de escuridão, percebi que a luta pela verdade e pela justiça estava apenas começando. Então, o som distante de sirenes se aproximando foi a última coisa que ouvi antes de apagar.

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