1
Município de Pão de Açúcar, província de Alagoas, Império do Brasil, 27 de dezembro de 2018.
O eco dos passos ritmados das botas ressoava pelo pátio do quartel. O sol matinal já exibia sua intensidade, refletindo nas superfícies metálicas das construções ao redor. Enny ajustava o capacete pela terceira vez, tentando se acostumar com seu peso. O uniforme, ainda rígido e novo, roçava de forma desconfortável em sua pele, mas ela se esforçava para não deixar transparecer nada. Ao seu lado, outras mulheres — algumas novatas como ela, outras já com mais experiência — estavam dispostas em fileiras, aguardando as orientações da primeiro-sargento Olga.
Daniel assistia à cena à distância, com os braços cruzados sobre o peito. Apesar de seu casamento ser por conveniência, sua curiosidade sobre a verdadeira essência de Enny aumentava a cada dia. Nos últimos dias, ela havia mostrado ser bastante dedicada e resoluta, mesmo sem ter crescido sob a disciplina militar. Essa característica o impressionava, embora ele jamais tivesse pensado que ela se adaptaria ao ambiente militar tão rapidamente. Agora, vê-la entre os soldados, se preparando para o treinamento de combate, fazia surgir nele uma combinação de orgulho e apreensão.
— Assumam a posição de combate! — exclamou Olga, com sua voz autoritária que demandava respeito instantâneo.
As mulheres responderam em coro, adotando posições ofensivas. A primeiro-sargento caminhava entre elas, ajustando as formações e corrigindo falhas. Ao se aproximar de Enny, fez uma breve pausa e ofereceu um sutil sinal de aprovação.
— Corpo firme, Enny. Lembre-se, a força vem da base. Não faz sentido ser ágil se seus pés não estiverem bem firmados no chão — orientou Olga, em um tom que mesclava rigidez e encorajamento.
Enny assentiu, mantendo o olhar fixo no horizonte, os músculos tensionados. Ela sentia o suor escorrendo pela nuca, mas não ousava se mexer. Olga continuou sua inspeção, e logo em seguida, o som de um apito cortou o ar.
— Combate corporal! — A ordem foi recebida com movimento rápido. Enny encontrou sua parceira de treino, uma soldada veterana chamada Lívia. As duas se posicionaram frente a frente, prontas para o exercício.
Lívia era mais alta, mais robusta e tinha claramente mais experiência. Seu olhar era afiado, mas havia algo de acolhedor em sua postura, como se estivesse preparada para ensinar, não apenas dominar.
— Relaxa, novata. Vamos pegar leve — disse Lívia, com um sorriso encorajador.
Enny tentou relaxar os ombros, mas seu corpo inteiro estava em alerta. As duas começaram com movimentos básicos, alternando golpes e defesas, seguindo o ritmo imposto por Olga. A tensão no ar era palpável, mas havia também uma estranha camaradagem se formando entre elas. O suor, a poeira e o esforço as conectavam de uma maneira que Enny jamais experimentara antes.
Depois de alguns minutos de combate controlado, Olga interrompeu o treino e chamou todas para a próxima atividade.
— Hora do tiro! — anunciou.
A transição para o estande de tiros foi rápida. Enny, ainda ofegante do combate corporal, pegou seu fuzil designado e seguiu o grupo. A arma era pesada, mas ela se sentia cada vez mais confortável com ela. O treinamento de tiro era uma das atividades que mais lhe causava nervosismo; ela sabia que o manejo correto de uma arma era essencial, mas a precisão ainda era algo que precisava desenvolver.
O fuzil padrão do Regimento Santana era o IWI Galil ACE 22, uma arma com a qual Enny nunca se sentiu confortável. Se a luta fosse em curta distância, ela certamente não se moveria. No entanto, ela se destacou como atiradora designada e rapidamente se adaptou ao Mk 14 EBR, que chegou recentemente dos Estados Unidos da América. Dentre as mulheres que optavam por essa função, ninguém se saía melhor do que ela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Labatut
General FictionE se, em 1964, após o golpe militar, o Brasil vivenciasse uma guerra civil? E se os generais optassem por restaurar a monarquia em 1985? E se o Brasil se tornasse uma potência global? "O Labatut" apresenta uma narrativa empolgante protagonizada pelo...