2: A Garota de Casaco Roxo

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Eram por volta das oito da noite, mais ou menos, quando ouvi um barulho de algo se movendo do lado de fora da casa. Minha cabeça foi ágil em correr e trancar a porta da cozinha, logo em seguida, fechar a janela de madeira e abrir o basculante. Peguei o celular que estava no balcão e liguei a lanterna, iluminando a parte de fora, mas não enxergando nada.

Um suspiro escapa dos meus lábios e decido que provavelmente era apenas um bicho. Me viro novamente para o fogão e volto a fazer meu frango frito.

Mais alguns minutos ali e meu telefone toca. Eu pulei com o barulho alto repentino e atendi o número desconhecido.

"Alô?" Eu disse esperando ser uma cobrança, mas diferente do esperado, uma voz masculina me respondeu.

"Olá boneca, boa noite..."

"Quem é?" Eu pergunto estranhando a ligação.

"Hmmm, não sei, Verônica, quem quer que eu seja?"

"Como você sabe meu nome?!"

"Vamos com calma, boneca, você gosta de filmes de terror?" Eu estranho a pergunta e decido ir em direção a porta da frente para tranca-la, por pura intuição.

"Acho que todo mundo gosta de filmes de terror."

"Hmm, qual seu favorito?"

Eu dou uma risada irônica anasalada, "sei lá, acho que, ironicamente, Pânico. Engraçado que você tá agindo justamente como assassino, isso é um trote?"

"Não sei, será que é? Ah, você fica muito bem com essa camisola que você está usando. É curta, mas é muito linda."

Olho para minha camisa velha e manchada do Ramones e dou uma risada alta.

"Sabia que era trote, vamos, quem é você?"

"É o cara da padaria, não o que te atendeu, o outro. Eu sou amigo do Lucas, que trabalha com Wi-fi, eu pedi seu número e ele deu," ele disse com uma risada.

"Que belo susto, rapaz que eu ainda não sei o nome. Muito engraçado da sua parte," falo, levemente incomodada.

"Pablo."

"Pablo. Ok, quando eu quiser ver um filme de terror eu te ligo," digo rindo, mas já estava começando a ficar desconfortável com a situação. Odeio me sentir seguida.

"Ok, mas liga mesmo hein? Te achei muito linda!"

"Obrigada," disse com uma falsa honra, "agora preciso desligar, boa noite,"

"Boa noite!"

Depois que a chamada foi encerrada, eu desliguei o fogão e fui até o banheiro. Lavei meu rosto e encarei meu reflexo no espelho velho, levemente amedrontada.

Encarar meu reflexo normalmente me ajuda a não surtar. Gosto do que vejo. Meus olhos são castanhos amendoados, um olhar muito específico de quem parece que viveu muito mais do que realmente está aqui, o formato também é muito bonito, meus cílios são grandes... Além disso, eu tenho belos traços. Maçãs do rosto altas, maxilar marcado, lábios naturalmente avermelhados e em um formato que me favorece... Eu sou uma garota muito bonita, de fato.

Seguro a pia com mais força. Eu não voltaria a fazer aquilo.

Saio do banheiro e volto para a cozinha, coloco um pouco de arroz no meu prato e um pedaço de frango, vou até a sala e como no sofá, assistindo Hora Do Pesadelo.

Quando o filme estava perto de terminar e eu já havia acabado o jantar fazia um tempo, a sensação de ser observada volta. Olho ao redor vendo que Morticia não estava pela sala, então não era ela. Observo as janelas, também não vejo nada de errado, mas um ruído se faz presente, um ruído estranho, como estática, a televisão fica fora do ar, e a luz do corredor começa a piscar, era a única luz acesa.

Levanto do sofá com um pouco de medo, vou andando com passos lentos e medrosos até chegar na escada assustadora. Cada novo degrau que subo parece deixar o volume da estética mais alto, meus pés pareciam chumbo, pesados como se carregassem sapatos de ferro, no lugar de chinelos. Quando cheguei ao último degrau, a lâmpada explodiu.

Pus os braços na frente do corpo para me proteger do vidro, mas isso rendeu algumas lascas presas a minha pele. Iria pegar alguns pontos.

"Droga! Casa velha!" Vou até meu quarto e troco de shorts, vendo que Morticia dormia ali, fechei a porta para que não saísse, logo em seguida eu desço as escadas e pego meu celular. Iria até o posto de saúde.

Eu pensei em ir de carro, mas era provável que doesse muito dirigir com vidros em seu braço, por isso desisti. Acabei decidindo procurar apé o posto mais próximo.

Dei alguns passos enquanto meus braços sangravam, quando uma moça de casaco roxo, cabelos presos com apenas sua franja (muito linda, diga-se de passagem) solta na frente, uma saia preta, meias listradas vermelhas e pretas e uma máscara que normalmente foram usadas durante a pandemia se aproxima de mim. Ela parecia ter mais ou menos minha idade, mas era um pouco mais magra que eu, talvez pesando seus 67 kgs enquanto eu peso meus 71. Além disso, ela tinha uma altura próxima a minha, sendo talvez um pouco mais baixa, o que poderia dar a impressão de que tínhamos corpos parecidos.

"Olá!" Ela começou, "meu nome é Nina, e o seu?"

"Oi Nina, meu nome é Verônica. Você mora por aqui?" Perguntei curiosamente pela aproximação.

"Sim, na verdade, um pouco mais pra dentro da floresta, mas gosto de sair durante a noite, já que normalmente não tem ninguém na rua. Por que está aqui esse horário?"

"Minha lâmpada explodiu e os vidros pegaram em mim," mostrei meus braços e ela ergueu as sobrancelhas, "vou tentar encontrar um posto de saúde."

"É, isso tá bem feio. Você mora aqui tem muito tempo? Não lembro de já ter visto você por aí, e nem ninguém morando na casa dos Smirnov."

"Na verdade, eu me mudei há dois dias," eu digo com um sorrisinho.

"Sério? Que você veio fazer nesse fim de mundo?"

"Honestamente, nem eu sei. Acho que precisava de um lugar pra começar do zero. Um lugar sem tantos crimes seria legal," a garota pareceu ter sentido vontade de rir, mas disfarçou com uma tosse.

"Entendo... Bem, nós bem que podíamos ser amigas. Tipo, eu não saio muito de dia por que eu não sei fazer muito amizade e normalmente o pessoal julga minha aparência então..."

"Ei, não liga pra o que falarem da sua aparência. Corpo é algo irrelevante e gente que fala dos outros tem inveja," eu digo com um sorrisinho. Ela sorriu de volta.

"Eu queria estar falando de corpo. Uns anos atrás, eu me apaixonei por um maluco. Ele fez eu destruir meu rosto, agora eu ando com essa máscara por aí..."

"Olha, eu sei muito bem o que é gostar de gente maluca. A culpa do seu rosto estar desagradável agora não é sua, foi dele que te convenceu a fazer isso, mas se você tem tanta insegurança com isso, não há nada nesse mundo que maquiagem não resolva."

"Maquiagem?"

"Isso! Temos tons de pele parecidos, eu acho, qualquer dia passa na minha casa que eu te arranjo!"

"Então eu posso passar na sua casa?"

"É óbvio!" Digo isso e finalmente chegamos ao que parecia um posto de saúde, "bem, eu vou entrar agora, espero te encontrar de novo depois!"

"Eu também espero..." Ela disse com um sorriso escondido por trás da sua máscara.

Logo em seguida, entrei no posto.


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