Guto, O estagiário

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Acordo cedo, como de costume, com a luz do sol filtrando pela janela suja do apartamento. Meus colegas de quarto ainda estão deitados, roncando como se o mundo lá fora não existisse. Eu me espreguiço e ligo o computador, dando uma olhada rápida nos e-mails que acumulei durante a noite. A primeira tarefa do dia é revisar os materiais da faculdade, o que não é fácil com o barulho dos meus colegas.

Após um café rápido — ou melhor, uma xícara de café instantâneo —, pego minha pasta e me preparo para mais um dia na Mancini Music. O caminho até lá é sempre o mesmo: pego o ônibus lotado e me espremo entre os passageiros, tentando não pensar no que me espera no escritório.

Ao chegar, a primeira coisa que faço é passar pelo saguão e cumprimentar os outros estagiários. Cada um parece mais preocupado com sua própria luta do que com a minha. Todos aqui têm grandes aspirações, mas a pressão é imensa. Enquanto caminho para a sala de Hans, ouço risadas e conversas sobre as festas do fim de semana, sempre envolvendo as mesmas piadas sobre as conquistas com garotas. Eu sorrio, mas dentro de mim, a realidade é bem diferente.

Na sala de Hans, o clima é tenso. Ele já está na sua mesa, os olhos fixos no computador, como se o mundo ao seu redor não existisse. Mila está ao seu lado, digitando freneticamente. Quando entro, ela levanta os olhos, e, por um breve momento, sinto como se estivesse sendo avaliado.

Mila: (com um sorriso enigmático) "Bom dia, Guto. Hans precisa dos relatórios das vendas da última semana. E já estou sabendo que há algumas pendências na sua parte. Espero que você tenha se preparado."

Eu engulo em seco, lembrando que passei a noite tentando estudar para uma prova que tenho amanhã, mas tudo bem.

Guto: "Sim, estou a caminho disso, Dona Mila."

Passo o dia inteiro organizando dados e preparando relatórios, com Mila sempre por perto, checando meu trabalho. É exaustivo, e a cada olhada que ela dá para mim, sinto uma pressão maior para não cometer erros. O que poderia ser uma oportunidade de aprendizado se transforma em uma corrida para agradar e não desapontar.

As horas vão passando, e, quando finalmente chega o horário do almoço, meus colegas estagiários me chamam para sair. Apesar de todo o estresse do trabalho, a ideia de estar em um lugar onde posso relaxar por um tempo é tentadora. Eles sempre têm histórias de suas aventuras, algumas risadas sobre conquistas com garotas e as festas que parecem não ter fim. Eu, por outro lado, só consigo pensar nas dívidas e no meu pai.

Ricardo: "Ei, Guto, vem com a gente! Tem uma festa na sexta-feira que você não pode perder."

Bruno: "Você precisa se soltar, cara! A vida não é só trabalho e faculdade."

Eu forço um sorriso.

Guto: "Vou ver se consigo. Mas, na verdade, estou um pouco sobrecarregado com a faculdade."

Eles riem, mas é uma risada amigável, e, por um momento, me sinto parte do grupo. No entanto, a verdade é que não posso me dar ao luxo de relaxar.

Quando volto ao escritório, o clima já mudou. Hans está mais exigente do que nunca, e eu me vejo em meio a prazos apertados e expectativas que parecem insuportáveis.

O dia chega ao fim e, ao voltar para casa, o ônibus lotado é o reflexo da minha mente cansada. No apartamento, meus colegas de quarto continuam falando sobre garotas e festas. Chicão aparece, com sua maneira brusca, e me pergunta sobre meu dia.

Chicão: "Como tá a vida de estagiário, Guto?
Eu dou uma risada nervosa.

Guto: "Nada demais. Só mais trabalho."

Ele me lança um olhar significativo.

Chicão: "Não esquece de aproveitar também, irmão. A vida não espera por ninguém."

E assim é a rotina. Entre as pressões da faculdade, as obrigações no estágio e a expectativa de cuidar da minha família, eu me sinto como se estivesse sempre correndo. Meus colegas podem viver em um mundo leve, mas, para mim, cada dia é uma luta pela sobrevivência e pelo futuro que desejo tanto.

Finalmente, o dia estressante chega ao fim.  O quarto é um caos — roupas espalhadas, livros acumulados em uma mesa improvisada e o cheiro de pizza velha pairando no ar. É assim que a vida de estudante e estagiário se resume: uma bagunça constante.

Coloco o celular ao meu lado e, como de costume, pego a embalagem de remédios para a ansiedade que mantenho na gaveta da mesa. Preciso deles para conseguir relaxar e, finalmente, dormir.

Faço uma rápida leitura da bula, mesmo sabendo que a conheço de cor, e engulo os comprimidos com um copo d'água. Enquanto isso, olho para o teto, tentando deixar os pensamentos ruins de lado.

É então que, ao me virar na cama, percebo algo em cima do meu travesseiro. Com a luz fraca do abajur, consigo ver que é uma embalagem de preservativos, bem em cima da minha cama. Sinto um nó na garganta e uma raiva crescente.

Guto: (pensando) “Não acredito que Transaram logo em cima da minha cama..Que falta de respeito é essa? Se eu descobrir eu mato...

Meu coração acelera e a frustração se mistura com a ansiedade. Não consigo acreditar que meus colegas de quarto se acham no direito de invadir meu espaço assim. O que quer que tenham feito, não me interessa. Preciso de um tempo para mim, e isso é o último tipo de estresse que eu precisava agora.

Enquanto ainda estou perdido em meus pensamentos, o celular vibra ao meu lado, me dando um susto. Olho para a tela e vejo que é uma mensagem de Mila. O coração dispara, e não sei se é pela surpresa ou pela mistura de sentimentos que ela sempre provoca em mim.

Mila: “Oi, Guto. Precisamos conversar sobre um projeto importante. Você está disponível amanhã?”

Leio a mensagem algumas vezes, tentando decifrar suas intenções. Ela sempre sabe como fazer com que eu me sinta importante, mas, ao mesmo tempo, sinto que há um subtexto nas palavras dela.

Guto: (pensando) “Conversa sobre um projeto importante? Que tipo de projeto? E por que eu, exatamente?”

Pego o celular e começo a digitar uma resposta, mas as palavras não saem. Uma parte de mim está ansiosa para ver o que ela tem a dizer, mas outra parte de mim quer ignorá-la e simplesmente desligar.

Finalmente, com um suspiro, respondo:

Guto: “Oi, Dona Mila. Estou disponível, sim. Que horas você quer que eu vá até a gravadora?”

Com isso, coloco o celular de lado e olho novamente para a embalagem de preservativos, agora um símbolo da invasão que eu não esperava. O que quer que tenha acontecido aqui, parece que tudo se conecta de alguma forma.

Após um tempo, os remédios começam a fazer efeito. O peso dos problemas da faculdade e da saúde do meu pai ainda está presente, mas a ansiedade cede um pouco, e logo caio em um sono profundo, mesmo com a incerteza do que o dia seguinte me trará.


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