02• AMIGAS CONTAM A VERDADE

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Clary Miller

Eu precisava voltar a trabalhar. Não conseguia entender como a Gabriela tinha me dado um mês de férias antecipadas, mesmo sem ter completado seis meses de trabalho. A verdade é que eu não me sentia pronta para retornar, e talvez nunca estivesse. A dor ainda me consumia por dentro, sufocando a cada pensamento que eu tinha sobre ela. Precisava voltar, porém, porque agora eu tinha que alugar uma casa ou um quartinho, e isso exigiria dinheiro. Não queria a ajuda dos mentirosos que, a essa altura, eram apenas sombras do que eu pensava que fossem.

Sentia um conflito interno: a necessidade de enfrentar a vida e a vontade de me esconder para sempre. Voltar ao trabalho significava encarar a realidade, mesmo que cada passo fosse como sentir facadas nas minhas costelas. Era hora de ser forte, de encarar tudo isso de frente, mesmo que o peso da dor parecesse insuportável.

Nesse último mês, pensei muito sobre tudo o que ouvira, e só de relembrar as palavras que me feriram, a dor voltava com mais força. Era um ciclo vicioso: a lembrança trazia a mágoa, e a mágoa me fazia querer evitar o mundo. Mas eu precisava focar no trabalho, colocar essa dor de lado e tentar não pensar no que me atormentava.

Quando cheguei ao canil, fui recebida pelo barulho alegre dos latidos dos cachorros. Aquilo fez meu coração relaxar um pouco; eu sentia saudades de estar com eles. A recepção estava vazia, e fui direto para a cozinha, onde sabia que a Gabriela estaria tomando café com o marido. Ao abrir a porta, um aroma de café fresco e recém-passado invadiu meus sentidos. Gabriela estava de costas, sobre a pia, pegando uma xícara, com o cabelo preso em um rabo e usando o uniforme do canil. Eu tossei gentilmente, e ela se virou para mim, seu rosto iluminado por um sorriso caloroso.

- Clary? - ela exclamou, vindo em minha direção para me dar um abraço apertado, quase me balançando. Fiquei sem jeito - Que saudade! Como você está?

Ela me soltou e ficou na minha frente. Gabriela se tornara uma amiga, de alguma forma, e eu gostava da companhia dela; ela sempre foi tão gentil e acolhedora.

- Estou bem, e agradeço pelo mês antecipado de folga.

- O quê? - fez um gesto com as mãos, como se não fosse nada demais - O Red falou que você precisava de um tempo para si mesma.

Meu sorriso morreu instantaneamente ao ouvir o nome dele. Ela percebeu e um silêncio constrangedor se instalou entre nós. Não queria ouvir nem ver ele, de forma alguma.

- Ah... - disse Gabriela, sem jeito - Não sabia que você não estava bem... - Ela sorriu, tentando quebrar a tensão - Quer café?

- Chá - respondi, forçando um sorriso curto enquanto me sentava à mesa. Ela trouxe as xícaras.

- Você está bem para voltar ao trabalho?

Uma pontada de ansiedade me atingiu ao pensar no que Red poderia ter dito. O que ele diria sobre mim? Encolhi-me um pouco, sentindo vergonha.

- O que exatamente o Red te falou?

Ela se sentou à minha frente, estendeu o chá e, enquanto eu tomava um gole, ela deu de ombros.

- Que você precisava de um tempo só para você.

- Ah... - O ódio que sentia por ele era intenso, mas havia uma parte de mim que se sentia confusa, com aquele sentimento de que ele realmente se importava. Por que, então, eu ainda sentia borboletas no estômago? Eu sou uma idiota. - Eu... não sei o que dizer.

- Não precisa me dizer nada - disse ela, sorrindo ao segurar minha mão sobre a mesa - Só preciso saber se está pronta para voltar.

- Sim - respondi, um sorriso se formando, embora eu soubesse que ainda era uma máscara. - Aqui me dá paz; esses amiguinhos são os melhores.

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